Economia
"Fiscal, a mãe de todas as ordens" - Delfim Netto.
Li hoje no no site do CORECON SP, mais um artigo do mestre Delfim Netto, escrito para o Valor Econômico em 19/11/2014.
O professor
Marcio Holland, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda,
coordenou, no dia 7, um magnífico Encontro de Política Fiscal na Fundação
Getulio Vargas de São Paulo. Com uma única e óbvia exceção, os participantes
são o "crème de la crème" dos especialistas nacionais e
internacionais sobre o assunto. O ilustre ministro Guido Mantega fez uma
cuidadosa e equilibrada exposição, na qual defendeu, com sóbria habilidade, a
política fiscal do governo.
Mas afinal,
o que é a política fiscal? Podemos repetir a síntese do professor R.A.Musgrave
("The Theory of Public Finance", 1959) que sugeriu que ela consiste
na intervenção deliberada do poder incumbente sobre a receita e a despesa
públicas para cumprir alguns papéis que dele se espera: 1) de alocador de
recursos para suprir os bens públicos (justiça, saúde, educação,
infraestrutura, pesquisas etc.) que se acomodam muito mal nas condições que
tornam eficiente a sua oferta pelo mercado; 2) de redistribuidor de recursos no
espaço social para reduzir as desigualdades e atender às necessidades básicas
dos menos favorecidos e, redistribuir no tempo, para a seguridade social; e 3)
de estabilizador da conjuntura, com a manobra de aumentar ou diminuir receita e
a despesa públicas para amortecer as flutuações ínsitas no sistema capitalista.
Essa
descrição, tão "certinha", contrasta fortemente com as dificuldades e
incertezas que cercam a sua execução: a existência de defasagens na resposta
aos estímulos, o uso de conceitos não mensuráveis como o produto potencial, o
estabelecimento de prioridades (análise custo/benefício), da taxa de desconto
social, do custo de oportunidade etc.
É evidente
que o papel do poder incumbente não se esgota aí. Ele ainda: 1) tem - através
de instituições adequadas - que garantir o bom funcionamento dos mercados que
controlam a alocação dos fatores de produção privados e que produzem os bens e
serviços para atender à demanda dos consumidores; e 2) deve ter a capacidade de
regulá-los para evitar a concentração e estimular a competição.
Quando
convenientemente conduzida, a política fiscal: 1) "garante" a
relativa estabilidade da atividade econômica e do emprego, fundamentais para a
coesão social; 2) dá credibilidade ao ajuste "mais fino" da política
monetária que, com pequenas manobras da taxa de juro real de longo prazo,
compatibiliza a soma da demanda privada com a demanda pública para manter a
taxa de inflação baixa e relativamente estável; 3) por sua vez,
"credibilidade" e "previsibilidade" tornam possível uma
política salarial capaz de manter o desejável aumento do salário real sem
pressões marginais sobre a taxa de inflação; e 4) propicia uma relativa
estabilidade da taxa de câmbio real, fundamental para determinar o nível de
atividade, oferecendo um "buffer" de recursos para minorar os
excessos das flutuações idiossincráticas.
Por essa
rápida descrição deve ficar claro que o equilíbrio fiscal é o maestro que
comanda a política monetária, salarial e a cambial. A ordem fiscal é a mãe de
todas as ordens! É por isso que um Estado forte, constitucionalmente
controlado, capaz de regular o funcionamento dos mercados e implementar uma
política fiscal adequada - 1) pequeno déficit fiscal/PIB e 2) relação dívida
bruta/PIB relativamente constante e em nível apropriado para garantir espaço
para as manobras anti e pró-cíclicas -, é condição necessária, ainda que não
suficiente, para a promoção do desenvolvimento social e econômico sustentável
com equilíbrio interno (aumento harmonioso entre a igualdade de oportunidade e
o investimento) e externo (relativo equilíbrio do balanço em conta corrente
durante o ciclo).
Por motivos
internos e externos, estamos hoje muito longe dessa configuração. No quadriênio
2011-2014, em parte pela perda do "bônus" externo, apresentamos: 1)
um crescimento do PIB per capita de 0,6% ao ano; 2) uma taxa de inflação que
namorou o nível superior da margem de tolerância da meta; 3) uma significativa deterioração
da situação fiscal com déficit nominal de 5% do PIB e clara tendência de
aumento da relação dívida bruta/PIB. Parte disso se explica pela estagnação do
PIB, mas é preciso insistir que ela não parece ser apenas cíclica, tem uma
componente estrutural. Por fim, 4) acumulamos um déficit em conta corrente de
US$ 270 bilhões, devido à tragédia imposta ao setor industrial. O resultado
positivo do período - que não é pouca coisa -, é que se manteve o nível de
emprego.
A situação é
muito desconfortável. Não estamos à beira do fim do mundo, mas é imperioso
corrigi-la com a devida urgência. Isso exige um novo diagnóstico, ajustado às
novas condições internas e externas e envolverá mudanças na política
macroeconômica e, ainda mais, na micro, para encurtar a distância entre o
governo e o setor privado produtivo.
Dilma
recebeu das urnas um "voto de confiança". Esse é o fato fundamental
incontornável. Supera todas as opiniões, mesmo as que se pensam
"científicas"... Por que não dar-lhe, então, algum tempo para que
apresente um bom programa de política fiscal?
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