O consumo e a queda na produção industrial
Economia

O consumo e a queda na produção industrial



Ricardo Lacerda

Analistas têm repetido que o modelo de crescimento puxado pelo consumo, marca do governo Lula, teria se exaurido e que o governo Dilma somente engrenaria novo ciclo de altas taxas de crescimento se a economia passar a ser movida por incrementos de produtividade que elevassem a competitividade da produção doméstica, notadamente no setor industrial. Não estou tão seguro quanto a esse esgotamento do ‘modelo de crescimento”. Não acredito mesmo que existam evidências que autorizem tal tipo de conclusão. Além disso, esse argumento já foi utilizado anteriormente e se mostrou equivocado.

De fato, a ampliação do poder de compra das famílias, por meio de aumentos reais de salário mínimo, das transferências de renda e da ampliação do crédito, pôs em movimento, ainda em 2004, um ciclo expansivo que se realimentava na medida em que o emprego e o poder de compra se ampliavam. É a combinação do aumento do poder e compra das famílias com os preços favoráveis das commodities brasileiras no mercado internacional que deram partida ao ciclo de crescimento.

Quando a quebra do Lehman Brothers, em setembro de 2008, prenuciou o fim dos tempos, o governo brasileiro dobrou a aposta na ampliação do mercado de consumo, promovendo a redução de tributos incidentes sobre os bens duráveis, mantendo os aumentos reais de salário e irrigando os canais de crédito, o que permitiu uma recuperação rápida e exemplar da atividade econômica ainda em 2009.

Desaceleração

O que sustou a continuidade do ciclo expansivo em meados de 2011, portanto já no governo Dilma, não foi nenhum esgotamento do potencial de crescimento puxado pela expansão do consumo e sim a excessiva retração dos gastos decorrente da sobreposição da nova fase da crise internacional com as medidas restritivas adotadas internamente.

Não restam dúvidas que a economia encerrou o ano de 2010 excessivamente aquecida, o que exigia medidas usuais de política monetária para moderar o crescimento da demanda. Foi a conjunção do impacto de tais medidas com a emergência da crise de confiança na Europa que interrompeu o ciclo virtuoso de crescimento.

Em meados de 2011, antecipando-se à percepção dos mercados, o Banco Central do Brasil procurou reverter a intensa desaceleração do crescimento, revendo as medidas prudenciais de contenção de crédito e dando início a um novo ciclo de redução nas taxas básicas de juros. Todavia, com a crise de confiança instalada na Europa, as medidas demoram a fazer efeito e podem estar se revelando insuficientes.

Indústria e varejo

Parte expressiva dos problemas de competitividade de nossa indústria decorre de fatores não estruturais, que se agravaram com a crise europeia e com o baixo crescimento das economias centrais, como a valorização da taxa de câmbio e a disputa mais acirrada pelos mercados que ainda se mantêm em expansão.

O comparativo das trajetórias do volume de vendas no varejo, da produção física da indústria e do Índice de Atividade Econômica do Banco Central mostra como a evolução da produção industrial descolou do consumo e do crescimento médio da economia (ver Gráfico).

Ainda que a evolução do varejo já tenha se descolado da produção industrial a partir de meados de 2006, posto que o estimulo ao consumo saiu na frente e já se iniciava o período de valorização cambial, o crescimento da produção física da indústria não diverge muito do crescimento do nível da atividade econômica até setembro de 2008.

Desse ponto em diante, a evolução da indústria se afasta cumulativamente da evolução das vendas no varejo e da média do crescimento dos setores, processo que se ampliou a partir do agravamento da crise na Zona do Euro em meados de 2011.


Fonte: PMC/IBGE; PIM/IBGE; IBC- BR/ Banco Central.

O descompasso entre as vendas no varejo e a produção da indústria é indicador do espaço existente para engendrar um novo ciclo de crescimento puxado pelo consumo interno, mesmo antes da plena recuperação das economias centrais. Câmbio, juros e crédito é que vão determinar a trajetória nos próximos meses.

Apesar do agravamento do cenário externo, as forças que moveram o ciclo expansivo pós- 2004 não parece terem se exaurido, o que somente faria sentido afirmar caso problemas de financiamento no balanço de pagamentos e/ou de aceleração da inflação revelassem ter a economia atingido o teto do potencial de crescimento, o que não é o caso, ou que o nível de atividade deixasse de responder aos estímulos expansivos da política econômica.

Publicado no Jornal da Cidade em 20/05/2012






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