O ataque dos geiselistas III: Discutindo alternativas
Economia

O ataque dos geiselistas III: Discutindo alternativas


Acordamos um dia e descobrimos que durante um período de crédito fácil, baixo desemprego, e crescimento puxado pela demanda doméstica, a importação de carros da Coréia do Sul e da China aumentou vertiginosamente. Em 2009, 36 mil carros foram importados da Coréia do Sul e menos que 500 vieram da China; em 2010, 87 mil carros vieram da Coréia do Sul e 11 mil vieram da China; os números ainda não estão disponíveis para 2011, mas a tendência aparentemente continuou.

Cria-se um dilema então para o formulador de políticas: o que fazer?

Bem, a primeira pergunta é qual deve ser a função-objetivo do formulador de políticas. Afinal, se o objetivo é maximizar a renda do sindicato de metalúrgicos ou os lucros das multinacionais, as políticas desejáveis tenderão a ser diferentes daquelas que maximizam a produção doméstica ou as receitas para o erário. Minha premissa é que o objetivo é tornar o Brasil um país desenvolvido, isto é, reduzir o abismo de renda, condições de vida, expectativa de vida, mortalidade infantil, educação, segurança pública, acesso a oportunidades e outras benesses e benfeitorias que separam o típico brasileiro do típico cidadão de um país desenvolvido, digamos, os Estados Unidos, o Japão ou a França.

E agora, companheiro?

Minha primeira reação é que a entrada de mais importados é salutar e esperada, dado o aquecimento da economia. Sem as importações certamente a demanda em excesso da produção doméstica causaria uma combinação de aumento de preços domésticos e redução de nossas exportações de carros. Diga-se de passagem, tanto o aumento dos preços domésticos e a redução das exportações de carros são fenômenos que devem ocorrer como conseqüência do IPI seletivo que aumenta o poder de monopólio das montadoras no mercado brasileiro.

Tendo dito isso, vale a pena discutir alguns casos:

1) E se os preços baixos cobrados pelos chineses são um fenômeno permanente, gerado por um aumento sustentado da produtividade chinesa?

Um gajo me diz que as importações asiáticas (chinesas em particular) são predatórias porque o governo chinês subsidia suas montadoras. Este é um argumento que tem alguma tração. A idéia é que um país estrangeiro teria interesse em vender abaixo do custo com o objetivo de aumentar sua participação no mercado, presumivelmente porque depois da competição doméstica ser aniquilada, poderia aumentar seus preços e recuperar as perdas acumuladas durante os anos de preço abaixo do custo.

De fato, sabemos de histórias onde a concorrência asiática aniquilou firmas incumbentes. Basta lembrar o exemplo da indústria fotográfica, outrora dominada por firmas alemãs, mas hoje dominada pelos japoneses. Entretanto, a segunda etapa da narrativa do gajo não guarda muita relação com a realidade: depois que a indústria fotográfica alemã foi aniquilada, os preços das câmaras fotográficas continuaram a cair, o efeito no bem-estar alemão em geral foi nulo, e a indústria alemã, sem o peso morto de um setor que havia perdido sua competitividade, continuou a ser líder mundial em vários setores.

2) Mas e se os preços baixos dos chineses são um fenômeno temporário e insustentável?

Pode muito bem ser o caso que os carros chineses são baratos agora, mas porque os salários chineses são comprimidos devido ao caráter autoritário daquele país. Tal premissa é possivelmente falsa - os salários nas áreas costeiras da China têm subido rapidamente – mas vale a pena elaborar o raciocínio sob a premissa que existe algum tipo de dumping salarial temporário nas exportações chinesas, que geraria algum excesso de competitividade artificial, injusto e insustentável.

Neste caso, é claro que estamos tratando de uma situação em que o trabalhador chinês (sujeito a salários artificialmente baixos) está subsidiando o consumidor brasileiro (o argumento tambem vale para o caso do governo chinês subsidiando insumos industriais). Do ponto de vista chinês, isso pode ser justificado pela possibilidade teórica de externalidades de aprendizado nas exportações (quanto mais os chineses exportam carros, melhor produtores de carros eles se tornam).



A resposta para este problema não é a proteção à indústria, mas sim o incentivo à nossa exportação, via políticas macroeconômicas favoráveis, melhoria no ambiente de negócios ou subsidios a exportacao (na medida que dentro da legalidade).

3) Mas e se a indústria automobilística brasileira se encontrar frente a frente a um dilúvio de importações?

Se os carros chineses estão entrando no mercado a um preço muito barato, isso representa um ganho de renda para as famílias brasileiras, que podem poupar (reduzindo taxas de juros domésticas, aumentando a riqueza nacional) ou consumir (na margem, aumentando o consumo de outros bens e serviços domésticos, assim como as importações). Como grande parte da cesta de consumo do brasileiro é doméstica (temos minúscula penetração de importados), a fração leonina dos ganhos devido à importação vai se tornar demanda por bens e serviços domésticos.

Mas note: a queda no preço dos carros no Brasil também aumentaria a atratividade das atividades exportadoras – portanto, um aumento das importações não necessariamente significa uma redução da produção doméstica na mesma proporção. Pode ser que essa ‘substituição de exportações’ signifique menores margens de lucro ou menores rendas a ser capturadas pelos sindicatos, mas parece-me bem improvável que os ganhos do consumidor não sejam significativamente maiores do que as perdas da indústria automobilística – ainda mais se considerarmos que estamos tratando de empresas multinacionais cujos acionistas em sua vasta maioria moram na Italia, Alemanha, EUA, Japão...

Resumindo:

Estranho e preocupante seria se importações não estivessem crescendo rapidamente, dado o cenário macroeconômico corrente.

Se há externalidades de aprendizado na exportação, deveríamos melhorar os incentivos para exportar, não proteger o mercado doméstico, porque proteger o mercado doméstico tem o efeito colateral de taxar a exportação.

Incentivos para exportar podem ser melhorados (e a lista não é exaustiva):

- abrindo a economia para importações;
- dizendo não aos pedidos de proteção;
- resistindo ao tesão enrustido da esquerda brasileira por taxar o consumidor brasileiro para redistribuir para os aposentados de Stuttgart;
- criando condições macroeconômicas benignas (no caso do Brasil, política fiscal conservadora é o exemplo mais óbvio);
- criando condições microeconômicas favoráveis (redução do custo de fazer negócios no Brasil);
- liberalizando o mercado cambial (reduzindo assim os custos de transação).

Do ponto de vista do bem-estar dos residentes no Brasil, a melhor resposta à entrada de um competidor estrangeiro de menor custo no mercado é aproveitar os preços baixos. Em geral, mas principalmente se os donos do capital dos produtores domésticos não são nacionais.




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