O ardil
Economia

O ardil



No exercício das suas funções, qualquer governante ou autarca tem que solucionar uma equação difícil no que respeita ao equilíbrio entre os objectivos que pretende concretizar e os recursos que lhes quer ou poderá afectar face às condicionantes que incidem sobre o orçamento de que dispõe.
Não raras vezes, a única forma de ultrapassar tal dificuldade passa por elencar prioridades, de cariz temporal e financeiro, executando em primeira instância aqueles projectos (materiais ou imateriais) que mais benefícios possam trazer às populações, sob a restrição do volume de receitas que podem despender.
Ao fazê-lo, estão a aplicar princípios essenciais da chamada Teoria do Consumidor: afinal, os ditos governantes ou autarcas terão que maximizar a sua satisfação (medida pelo bem-estar gerado para a população ou, por via indirecta, pelo grau de apreço pelo seu trabalho), sujeitos a restrições de cariz orçamental (o seu “rendimento”) e ao custo dos projectos que irão realizar (o montante de investimento que lhes está associado).
Em cada momento, resultará deste conjunto de ponderações uma solução de equilíbrio que se traduzirá no leque de iniciativas que irão constar do seu Plano de Actividades e Orçamento anuais.
Como qualquer consumidor, o governante ou autarca tentará socorrer-se dos projectos mais baratos para obter um mesmo nível de satisfação (adesão popular) e tentará aumentar o mais possível o seu rendimento/orçamento (para elevar ao máximo o número de realizações).
Neste último prisma, porém, uma vez que parte substancial das suas receitas advêm de verbas subtraídas ao público-alvo das suas acções (por via de impostos, taxas e outras fontes), os ditos responsáveis terão que evitar lesar os seus objectivos pela apreciação negativa que pode estar associada a tal “caça à receita”.
É aqui que entra, normalmente, a criatividade dos responsáveis públicos, ao procurarem, por todas as vias ao seu alcance, ultrapassar essas restrições e assim maximizarem a sua “satisfação”.
De entre as várias alternativas possíveis ou já aplicadas, o recurso a parcerias público-privadas assume-se como uma opção natural, uma vez que não só permite a transferência de parte substancial do risco económico e financeiro dos projectos para o parceiro privado, como possibilita o aproveitamento de um superior domínio técnico de certas áreas e uma maior capacidade de gestão desse mesmo parceiro.
Bem diferente, porém, é a solução encontrada por Autarquias como Braga ou Guimarães para a concretização de diversos projectos municipais, desenvolvendo uma modalidade de “parceria público-privada” que se resume a um financiamento privado da acção municipal.
Num e outro caso as propostas foram já aprovadas pelos órgãos municipais e deverá estar para breve o concurso público que permitirá a selecção do(s) parceiro(s) privado(s) que darão corpo ao negócio em questão.
Na engenhosa iniciativa destas e outras Autarquias, a “parceria” sustenta-se na criação de uma sociedade anónima de capitais maioritariamente privados (para que não seja abrangida pela Lei das Finanças Locais), para a qual o ente público irá transferir a propriedade de um certo número de terrenos ou equipamentos nos quais se irão concretizar, a expensas do privado, as obras projectadas.
Decorrido o prazo estabelecido (em torno dos 25 anos), todos esses activos e as construções/intervenções aí realizadas voltam a reverter para o ente público, mediante condições a incluir no acordo parassocial que agora será acordado entre a Autarquia e o(s) privado(s) que vença(m) o concurso público.
Nesse mesmo acordo, será estabelecido o valor da renda a pagar pelo ente público ao ente privado durante o período de vigência da “parceria” e outras cláusulas de salvaguarda que serão prioritariamente orientadas para a defesa do interesse do(s) privado(s).
Em suma, o privado financia e executa (mediante uma clara violação do princípio da livre concorrência) imediatamente os projectos municipais e assegura um retorno certo para o seu investimento através da renda que irá auferir durante o período de vigência da “parceria”.
Quanto à perspectiva da Autarquia, disponibilizará de imediato os equipamentos às populações e deixará para os Autarcas vindouros e para as populações futuras a factura das obras que agora tão agilmente irá concretizar, escapando de forma ardilosa às amarras da Lei das Finanças Locais e aos sintomas de uma situação financeira própria manifestamente depauperada.
Curiosamente, nas próprias propostas aprovadas é expresso que se “impõe saber, através de estudos técnicos, na óptica do investimento, do plano do projecto, da exploração e do financiamento, se, por um lado, a empresa tem viabilidade económica e, mais importante, qual o impacto da PPP a constituir, a médio e longo prazo, nas finanças do Município”, algo que face à “urgência” de avançar com esta iniciativa a Autarquia não cuidou de acautelar.
Há, todavia, em todo este processo um espectador que rapidamente terá que tomar posição. Ao impor tais condicionalismos na Lei das Finanças Locais e ao emitir vários juízos negativos sobre práticas como a titularização de receitas futuras, o Governo quis impor um conjunto de restrições ao exercício da Gestão Municipal.
Se permitir a generalização deste tipo de iniciativas, esse mesmo Governo (ou os que se lhe seguirão) confrontar-se-á com a assunção de pesados encargos perante os parceiros privados por um número muito significativo de Autarquias do País (só em Braga, os projectos a englobar na parceria ascendem aos 70 milhões de Euros).
Ora, ou entende o Governo que as suas orientações iniciais são válidas e tem que colocar um travão neste processo ou acha legítimo que as Autarquias actuais adoptem este tipo de procedimentos. Nesse caso, mais vale suprimir os limites ao endividamento autárquico: sempre torna o processo mais fácil, transparente e até, bastante mais económico para as finanças municipais.



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