As exíguas taxas de execução dos diversos Programas do Quadro de Referência Estratégica Nacional (QREN) têm sido alvo de uma profunda discussão pública, sendo não raras vezes associadas com as dificuldades de Portugal encetar de forma mais vincada o processo de recuperação económica.
Na base de tais níveis ainda diminutos de realização, mais do que do ponto de vista físico ou financeiro, do próprio processo deliberativo de aprovação das candidaturas, estão seguramente factores como a tardia aprovação dos documentos estratégicos que norteiam o Quadro, a fragilidade e falta de flexibilidade das estruturas de gestão e a sensível desadequação entre os princípios que enformaram os diferentes Programas e a actual realidade do País.
Ora, a acrescer a todos estes factores há também um outro aspecto com que o próprio Governo não podia contar à partida, mas que parece no mínimo estranho que permaneça impávido perante a sua evidência: quer por força da degradação das condições económicas, quer por via da dificuldade do acesso ao crédito bancário, constata-se hoje que a esmagadora maioria dos potenciais beneficiários, públicos e privados, não consegue fazer face à contrapartida nacional dos projectos candidatáveis.
A este nível, são naturalmente úteis as iniciativas desenvolvidas pelos Deputados Europeus do Partido Social Democrata que, em sede de Parlamento Europeu, conseguiram já a extensão do prazo de vigência do presente Quadro por mais dois anos e que, em sede do mesmo órgão, têm vindo a reivindicar o aumento da taxa de comparticipação comunitária – medida essa de menos provável aceitação pelos Países do Centro da Europa (os principais financiadores do Orçamento da União).
Ora, a par com tais iniciativas, caberá ao Governo a criatividade para encontrar soluções adicionais, capazes de precaver o possível desperdício de recursos cruciais para a melhoria da qualidade de vida das populações e para o desenvolvimento da actividade dos agentes económicos.
De entre o leque de possíveis beneficiários que mais dificuldades enfrentam, registe-se a situação particular das Autarquias locais. E fá-lo-ei por duas ordens de razões: em primeiro lugar, porque os projectos que estas Entidades poderiam candidatar aportariam seguramente uma significativa melhoria dos serviços e infra-estruturas ao dispor das populações, quer ao nível dos equipamentos básicos, quer ao nível de áreas como a cultura, a educação, o apoio social ou a dinamização económica, por via das políticas de proximidade que regem a sua actuação; em segundo lugar, porque estão tais Autarquias confrontadas com especiais restrições na obtenção de recursos que suportem tal contrapartida.
Nesta segunda vertente, recorde-se que as Autarquias têm visto a sua capacidade de obtenção de receitas próprias reduzir-se por via da retracção da actividade económica (e não apenas da esfera imobiliária), ao mesmo tempo que se têm deparado com os sucessivos incumprimentos do Estado em matéria de Lei das Finanças Locais.
Por outro lado, se são compreensíveis as restrições impostas ao seu nível de endividamento para precaver uma lógica despesista e de falta de rigor que pode ter contribuído para a derrapagem das contas públicas, o mesmo não se compreende para investimentos cuja utilidade é incontestável e que só na actual conjuntura podem beneficiar do apoio das verbas comunitárias.
Ainda assim, mais do que a abordagem simplista já utilizada no passado, de não considerar para efeitos de cálculo dos limites ao endividamento os empréstimos contraídos para financiamento de projectos apoiados por financiamentos comunitários, creio ser possível uma outra linha de actuação que concilie o objectivo em apreço com a necessidade de responsabilização das gestões municipais.
Neste sentido, creio que haveria toda a vantagem na criação de um segmento especial do mercado de capitais, aberto exclusivamente a títulos de dívida emitidos pelas Autarquias, que permitisse a diluição do risco dos financiamentos por vários investidores (inclusive de natureza não financeira) e uma avaliação paralela do próprio mérito dos projectos associados a tais financiamentos.
Por outro lado, no respeito pelos requisitos de prestação de informação existentes neste mercado, seria até possível estabelecer uma notação-tipo do risco de crédito de cada uma das Autarquias, envolvendo todas as componentes da sua situação financeira, com natural consideração dos direitos e responsabilidades de natureza extra-patrimonial (sem necessidade de antecipação efectiva das receitas futuras e com atenção a encargos derivados de contratos como as Parcerias Público-Privadas em vigor).
Deixado tal contributo a título meramente indicativo, e cujos detalhes careceriam seguramente de um maior aprofundamento, fica porém a ideia de que só com uma postura proactiva no ataque a este desafio o nosso País poderá aproveitar em pleno o QREN e assim beneficiar de um contributo importante para a reversão da actual situação económica.
Haverá vontade política para tal?
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