Economia
Não venda, ofereça!
Se costuma efectuar juízos precipitados, poderá estar já a questionar-se se os parcos dias de calor de Verão da última semana já me terão diminuído a lucidez e se, por conseguinte, valerá a pena acompanhar este devaneio até ao final.
Presumo, então, que se lhe disser que o motivo que me levou a escrever sobre este tema foi a comparação entre o número de espectadores de dois dos últimos concertos que Tony Carreira realizou na cidade de Braga só conseguirei aumentar a perplexidade do leitor desta coluna.
A questão surgiu no âmbito de uma discussão sobre a resistência de adesão dos Bracarenses a qualquer evento pago, fosse ele de natureza cultural, desportiva ou outra, e por mais baixo que fosse o preço aplicado à iniciativa em questão.
A este propósito, evocou-se o confronto do número de pessoas que assistiram aos referidos concertos do popular artista nacional, realizados num mesmo local, com o intervalo de quase dois anos, em que cerca de 30.000 pessoas participaram no espectáculo gratuito enquanto que menos de metade de tal cifra aderiu ao concerto com preços simbólicos.
É óbvio que são vários os factores que impedem que esta seja uma comparação linear e justa, sustentada naquilo que os economistas gostam de designar como a condição “ceteris paribus”. Afinal, a verdade é que nem todos os demais factores que condicionaram o número de espectadores destes eventos se mantiveram constantes (desde logo, porque o evento gratuito foi o primeiro de vários concertos realizados pelo cantor em zonas próximas de Braga ao longo dos últimos dois anos).
Para lá do caso concreto, a questão poderá seguramente colocar-se em relação a outras iniciativas e seguramente também fora do contexto local. Será que, neste tipo de bens/serviços, a elasticidade-preço da procura (a forma como a quantidade procurada reage a variações de preço) é efectivamente tão elevada mesmo quando os preços se aproximam significativamente de zero?
Do ponto de vista económico, poder-se-á pensar que a questão subjacente a tal discussão é puramente académica, uma vez que não parece minimamente razoável que qualquer entidade com fins lucrativos pudesse sequer considerar a “alienação” gratuita do seu bem ou serviço, podendo também questionar-se a sua capacidade de abastecer um mercado potencialmente ilimitado…
Começando por este segundo aspecto, regra geral, o risco de que a empresa se deparasse com um mercado “infinito” é relativamente reduzido tendo em conta que, para lá do factor preço, existem outras variáveis que condicionam a procura dos consumidores, com especial relevo para a sua escala de preferências: não é certo que todos os agentes económicos/cidadãos queiram consumir um bem, por mais que o mesmo lhes seja oferecido. De qualquer forma, caso a empresa optasse por esta decisão estratégica, não seria improvável que a mesma pudesse deixar uma parcela de consumidores sem produto para fazer face ao seu volume de procura.
Quanto à primeira questão – poderá uma empresa com fins lucrativos considerar sequer a “oferta” dos seus produtos -, a verdade é que existem já exemplos abundantes de bens e serviços que são facultados gratuitamente aos seus consumidores potenciais.
Atente-se, por exemplo, ao caso dos jornais gratuitos. Poderiam parecer à partida um “produto” algo estranho, mas a verdade é que se trata hoje de um sector de actividade em franca expansão, não só nas tiragens dos vários títulos existentes, como até na segmentação de mercado que começa a ocorrer com o aparecimento de edições temáticas (economia, desporto, imobiliário, cultura,…) e com a publicação de edições geograficamente diferenciadas.
O sucesso destes projectos é tanto mais pertinente para a discussão em curso neste artigo quanto se verifica que os periódicos tradicionais têm registado uma tendência inversa, com uma queda generalizada nos volumes de vendas e na sua capacidade de angariação de publicidade.
De igual forma, e ainda na esfera da comunicação social, veja-se o que se passou com muitos dos títulos que tentaram restringir a subscritores o volume de informação inicialmente disponibilizado nas suas edições on-line e que tiveram que posteriormente inverter a rota para permitir o acesso aos mesmos conteúdos a título gratuito.
Pois bem, dirão, a verdade é que nestes casos, o grosso do volume de facturação não provém das vendas do bem em si, mas antes do volume de publicidade angariada e paga, em alguns casos, a peso de ouro.
Isto é, mais do que “vender a informação” aos seus leitores/visitantes, noticiosa no caso dos ditos jornais gratuitos, ou qualquer outro tipo de conteúdos no caso dos diversos sítios da Internet, os seus promotores estão alienar “tráfego” e um volume significativo de destinatários/contactos-directos aos seus anunciantes.
Ora, como em qualquer negócio, o segredo está mesmo em saber identificar e aproveitar as oportunidades, por mais que elas rompam com os cânones tradicionais dos manuais de economia e gestão.
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