Nos últimos anos vem surgindo no cenário econômico internacional uma nova geração de empresas multinacionais, formadas nas economias emergentes e cuja denominação pela revista The Economist é: the challengers (as desafiantes). A origem de tais empresas remonta ao início da década de 90 (em sua maioria), quando as economias de Brasil, Índia, China, Rússia – BRIC´S – México, Coréia do Sul estavam passando por reformas estruturais com vistas à penetração no mercado mundial de forma mais efetiva. Apesar das benesses da abertura comercial, elas começaram a enfrentar a concorrência externa das transnacionais dos países desenvolvidos, as quais diminuíram o market-share das estatais presentes naquele momento. Com a onda de privatizações, no caso do Brasil, empresas como a Petrobrás (especializada na perfuração de poços profundos ), Embraer (quarta maior produtora de aviações comerciais), CVRD (maior produtora de ferro do mundo) e CSN (do ramo de siderurgia), antes sob jugo de estrutura ineficiente e deficitária, iniciaram sua caminhada para o crescimento multifacetado. Não se pode descartar, obviamente, empresas ainda sobre poderio público como a maioria das grandes empresas chinesas, as quais crescem vertiginosamente, ancoradas pelo financiamento direto de suas atividades por bancos estatais.
Como é sabido, além da privatização, outros fatores influenciam no sucesso e/ou fracasso da economia. No caso presente, destaco três tópicos influentes na reviravolta ocorrida no cerne da atividade empresarial:
Segundo dados da UNCTAD (do inglês United Nations Conference on Trade and Development, tendo como tradução livre: Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento), a participação no estoque de FDI (inclusive uniões e aquisições) por parte das economias emergentes subiu de 5% na década de 1990 para 15% no ano 2006 (cerca de US$ 174 bilhões), demonstrando que a evolução estrutural de empresas multinacionais dos países emergentes deslinda um novo marco no desenvolvimento econômico mundial.
Conforme gráfico abaixo, constata-se que a participação das “multiemergentes” cresce de maneira congruente com a globalização dentro de um espaço de tempo relativamente curto (doze anos), além de demonstrar uma diversidade setorial: produção de jatos comerciais (EMBRAER), cimento (CEMEX e Grupo Votorantin), compressores (EMBRACO), televisores flat (Hisense), cilindros automotores (Nemak), serviços de outsorcing (WIPRO, Infosys), fundição (Bharat Forge) e etc¹. Ainda com auxílio do documento Fortune Global 500, percebe-se que 1/5 das empresas dos países emergentes tem controle estatal (especialmente no ramo de petróleo: PEMEX, Petrobrás, Saudi Aramco e Petronas); contudo, as estruturas administrativas variam de: conjuntas (parte pública e privada), conglomerados (como é o caso do Vietnam, o qual reúne várias empresas de mesmo setor e as lança ao exterior, ancoradas por capital aberto, isto é, venda de ações) e sob domínio familiar.
No que tange a adquirir capacidades estratégicas, as EMMs aproveitaram o período posterior às crises dos emergentes em 1990 (94,95,98) - no qual diversas gigantes multinacionais desenvolvidas abandonaram o mercado (por pressões da dívida pública/privada e regulamentações tributárias) - para sair da indulgência e redesenhar o mercado interno, além de expandir suas atividades fora do espectro nacional, em especial, para seus pares emergentes (E2E – emerging market-to-emerging market). Isso é comprovado pelo dado de que 98% do FDI (traduzindo, investimento direto no exterior) dos Bric´s foi destinado a nações emergentes – ver gráfico. É perceptível que essas empresas têm um diferente approach para com os países em desenvolvimento. As chinesas, por exemplo, estão desenvolvendo na África uma política neo-colonialista, a partir de parcerias público-privadas nos setores de infra-estrutura, saúde e educação (todas ancoradas pelo apoio estatal). Em se tratando de expansão global, utilizo-me da metodologia do Boston Consulting Group, a qual subdivide as estratégias aplicadas pelas EMMs em seis grupos:
1. Tornar a marca global. Uma empresa que emprega esse tipo de estratégia é a Hisense, fabricante chinesa de eletroeletrônicos (TVs, ar condicionado, PCS, e equipamentos telefônicos), a qual tem plantas produtivas na Algéria, Hungria, Irã, Paquistão e África do Sul, além da China. A empresa conta ainda com vendas a mais de 40 países, tendo destaque especial na França, aonde é líder na venda de TVs tela plana. Em suma, as empresas integrantes desse grupo, em sua maioria dos setores automotivo e de bebidas, têm o seu foco em pesquisa e desenvolvimento (R&D), visto que devem agradar a diversos tipos de mercados, de forma rápida e impactante.
2. Tornar a inovação um aspecto global. A principal representante desse grupo é a Wipro, empresa indiana de IT e outsourcing, que transita desde a estratégia do produto até o controle de qualidade. Há de se citar que ela possui mais de 120 clientes, abrangendo setores como o de semicondutores, produtos farmacêuticos e aparelhos médicos. De um modo geral, as empresas desse grupo têm uma postura deveras incisiva na maximização de utilidade dos produtos em caráter particular (aviação, equipamentos telefônicos, serviços em tecnologia da informação).
3. Liderança em seu campo produtivo. O representante-mor dessa estratégia é a Johnson Electric, sediada em Hong Kong, produtora de pequenos motores elétricos de uso automotivo e comercial. Ademais à sua postura aquisitiva (pela compra de concorrentes, por exemplo, do mercado americano – Arvinmeritor, Kautex Textron), soma-se a capacidade de flexibilizar a planta produtiva e criação de estrutura direcionada à necessidade especial de um determinado cliente. A definição exposta na frase anterior, retirando-se a parte da aquisição de concorrentes, encaixa-se perfeitamente no que é a Embraco no ramo de compressores.
4. Monetarização de recursos naturais. A destacar nesse aspecto: Sadia e Perdigão, líderes mundiais no processamento de alimentos. O foco de produção e/ou extração no mercado interno (de abundante matéria-prima), custo baixo de mão-de-obra e logística favorável em caráter global caracterizam o cerne da atividade presente nesse tópico. Afinal, a oferta é mais do que suficiente para suprir a demanda interna, abrindo a oportunidade para que seus produtos (sejam básicos ou manufaturados) expandam-se para o mercado externo.
5. Condução de modelo de negócios para múltiplos mercados. Dentro de um prisma aquisitivo poderoso está a CEMEX, empresa mexicana de cimento, e que representa a mais forte postura multifacetada das emergentes, englobando: logística, plataforma produtiva, R&D, marketing e contato com o cliente de forma uniforme, facilitando a base administrativa (seja no México, na Austrália ou qualquer país da América Latina). Outro figurante nesse perfil é a Orascom Telecom, empresa egípcia de telecomunicações, com ramificações no Oriente Médio, África e Europa.
6. Aquisição de recursos naturais. Finalizando a nossa dissertação pontual, cita-se a Shanghai Baosteel Group Corporation, empresa chinesa produtora de aço, a qual combina alta tecnologia com baixo custo, além de aquisições em diversas partes do mundo: no Brasil (Complexo Água Limpa), na África e na Austrália (Hamersley Group). A principal função desse tipo de empresa é suprir o seu mercado interno, no caso direto: a China (98% das receitas da Baosteel advêm do mercado interno).
Indubitável é a combinação de fatores que favorecem ao crescimento paulatino dessas empresas no cenário mundial, entretanto, a respeitabilidade no que tange a alguns preceitos prevalece: i) pensar no longo prazo; ii) criar equipes de administração globais; iii) expandir a logística, marketing e vendas no exterior; iv) Ir além do baixo custo. Para uma visão não tão sucinta do assunto, o leitor assíduo pode consultar os relatórios de duas consultorias internacionais, que serviram de base para o presente texto.
Accenture - http://www.accenture.com/Global/Research_and_Insights/Policy_And_Corporate_Affairs/MultiPolarMultinational.htm
Boston Consulting Group-