Economia
Moedas nas estrelas
Há muito tempo, numa galáxia distante, havia dois planetas: Vulcano e Romulus. Habitados pelo mesmo povo, tinham se distanciado, embora mantivessem a mesma linguagem. Não foi surpresa, portanto, quando – depois de um período de inimizade – decidiram adotar uma só moeda, o Roddenberry. Inspirados pelo exemplo, dois outros planetas (Coruscant e Tatooine) resolveram copiar a estratégia. Após séculos de guerra e profundas divisões culturais e lingüísticas, optaram pela integração econômica, culminando na adoção de uma moeda única, o Lucas, que esperavam tornar o padrão monetário da galáxia no lugar do Roddenberry.
A união entre Vulcano e Romulus foi muito positiva para o segundo. Algo mais atrasado que Vulcano, Romulus se beneficiou do comércio com o vizinho, bem como do fluxo de tecnologia e recursos. Não apenas cresceu de forma mais acelerada, como o próprio crescimento levou a fenômenos inesperados. Por exemplo, muitos romulanos, até então sem casa própria, aproveitaram o ingresso de recursos para financiar a construção de suas moradias. Houve uma febre de construção no planeta.
O mesmo se deu em Tatooine. Em parte impulsionado pela convergência econômica com Coruscant, em parte pelo gasto de seu governo (financiado pelos recursos provindos de seu parceiro), Tatooine viveu uma era de alto crescimento. Os salários subiram e, com eles, os preços das mercadorias que não podiam ser importadas de outros planetas. A inflação em Tatooine tornou-se mais alta que em Coruscant, mas os Jedis, Guardiões do Lucas, nada fizeram, pois a inflação média nos dois planetas ficou precisamente na meta. A Força estava com os Jedis.
Já os Tribbles, responsáveis pelo Roddenberry, também podiam se dar por satisfeitos, pois mantiveram a inflação similar à do Lucas. Ademais, a inflação em cada planeta era a mesma. Embora Romulus passasse por um boom imobiliário, os salários não subiram mais rápido do que em Vulcano, já que o aumento da demanda por trabalho levou à migração, facilitada pela língua e cultura comuns, mantendo os salários (e portanto o preço dos bens não-transacionáveis) iguais em ambos os planetas. Não havia problema com os Tribbles.
Um dia, porém, a festa acabou. Impulsionados pela euforia e pelo crédito abundante, os romulanos e os habitantes de Tatooine geraram bolhas imobiliárias, construindo mais habitações que o necessário. Quando os preços de imóveis começaram a cair, refletindo o excesso de oferta, não só a indústria da construção civil sofreu, mas também os bancos que haviam financiado a expansão perderam vastas somas, contraindo o crédito e levando os planetas à recessão.
Vulcano e Romulus sofreram de forma parecida: a inflação caiu, o desemprego subiu, mas não se notou nenhuma grande assimetria entre os planetas. Na Zona do Lucas, contudo, as coisas foram diferentes.
O emprego em Tatooine estava principalmente associado à construção civil. Com a queda da atividade, milhões perderam seus empregos. Por outro lado, os salários, como de hábito, não se ajustaram imediatamente. A migração de trabalhadores de Tatooine para Coruscant não era possível, em face das diferenças culturais e lingüísticas, e o comércio interplanetário – que poderia ajudar por meio de exportações maiores de Tatooine para Coruscant – também não se mostrava uma saída viável. A elevação de salários havia erodido a competitividade dos bens produzidos em Tatooine.
A assimetria da resposta da economia de cada planeta à crise se manifestou também no comportamento das contas públicas. A arrecadação de tributos caiu mais vigorosamente em Tatooine, levando a déficits fiscais consideráveis no planeta. É claro que a acumulação de dívidas no período anterior à crise também foi um fator, mas, segundo os Jedis, mesmo sem o acúmulo de dívida, era claro que as contas fiscais em Tatooine sofreriam bem mais do que em Coruscant.
O contraste do comportamento da Zona do Lucas com a Área do Roddenberry tornou-se ainda mais marcante à luz da diferença institucional entre as áreas. Vulcano e Romulus haviam evoluído para um governo comum. Isto permitia à Federação dos Planetas atenuar eventuais desvios fiscais. Por outro lado, na Zona do Lucas, não havia um governo central. Ao contrário, Coruscant não via com bons olhos a idéia de transferir recursos para os “gastadores de Tatooine”.
A combinação da assimetria em resposta à crise e da ausência de mecanismos de mitigação de problemas fiscais levou à crescente desconfiança com relação à capacidade de Tatooine honrar sua dívida. Há uma percepção generalizada que – para retomar sua competitividade – Tatooine terá que passar por um período deflacionário, de baixo crescimento e, portanto, desempenho pobre da arrecadação. A nova esperança é que seja possível corrigir este desequilíbrio ao longo de alguns anos, desde que alguém esteja disposto a financiar o período de transição.
Ao fim, só uma certeza: se foi um plano Sith para destruir a união entre Coruscant e Tatooine, não poderia ter sido mais bem tramado. Os Jedis não viram nada.
(Publicado 8/Jun/2010)
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