Economia
Mexendo na sua poupança
Por Matheus Pacini e Daniel Simões
Remontando ainda ao período do Império do Brasil (1822-1889) (1), sendo produto da criação da Caixa Econômica da Corte (atual CAIXA) e pensada, em parte, por Dom Pedro II, a caderneta de poupança, desde a sua origem, objetiva ser uma reserva monetária para as camadas mais humildes da população, para as quais se torna um porto-seguro, onde suas economias serão mantidas, com vistas à utilização em momentos de aperto financeiro, ou mesmo como auxílio na velhice. É uma definição “romântica” que vem sendo historicamente utilizada pelos políticos do nosso Brasil.
E pelas ironias da vida, ela está sendo ameaçada pelas garras do Leão. O projeto de lei, proposto pelo Ministério da Fazenda, prevê a taxação dos rendimentos sobre o saldo excedente a R$ 50.000,00 que um indivíduo possua aplicado na caderneta. Isso vindo de um governo, supostamente, popular ou dos trabalhadores.
A ação governamental tem como propósito primordial a não-equiparação dos rendimentos da poupança, em termos de rentabilidade, aos títulos públicos e privados, pois Guido Mantega teme que os grandes investidores em títulos decidam transferir seus capitais para poupança, já que a remuneração dos títulos dá-se principalmente pela SELIC, atualmente em queda.
A taxa básica de juros nos últimos cinco anos despencou de 19,75%, em meados de 2005, para 8,75%, no patamar atual. Segundo dados do Banco Central, o saldo total da caderneta de poupança aumentou em 85% nesse mesmo período. Afirmar que redução de 11 p.p. da SELIC foi responsável por esse aumento necessita de um estudo mais específico. O fato é que a poupança tornou-se, como se pode concluir da tabela acima, uma aplicação que ganhou destaque, principalmente quando se trata de aplicação de renda fixa. Observe que apesar do rendimento da poupança ter-se reduzido, aproximou-se das aplicações como CDB (Certificado de Depósito Bancário) e dos Fundos de Investimento Extramercado.
E porque o governo emite títulos? Porque o governo federal gasta mais do que arrecada. Isso gera déficit e só tem duas saídas: ou o governo emite dinheiro sem lastro provocando inflação, ou apela para o mercado e vende títulos financeiros representativos da dívida pública. Se o déficit continua crescendo, o governo vende mais títulos e vai se endividando cada vez mais. Para a dívida parar de crescer só há dois caminhos: novos tipos de impostos (ou aumento das alíquotas dos existentes) e, outro não tão popular, especialmente em época eleitoral, a redução das despesas.
É prudente abrir um parêntesis aqui, para brindar o sarcasmo no fato de considerar como “abastados” pessoas que têm uma poupança de R$ 50.000,00. Acredito fielmente que se fôssemos perguntar aos proprietários de tais fundos para que o dinheiro seria utilizado, provavelmente, mencionar-se-ia o casamento de um dos filhos, o sonho de construir uma casa ou, até mesmo, a vontade de comprar um trator. Em todo caso, devia-se perguntar ao Sr. Guido Mantega a razão pela qual não são taxados os ganhos oriundos da especulação financeira feita por estrangeiros, que totalizam muito mais do que R$ 50.000,00/especulador?
Nessa questão, como em todas as outras, a maior parte da população interpreta o fato (intenção de taxar a poupança) isoladamente de um contexto, parecendo que as decisões de política pública são meros arranjos do acaso. Frente ao exposto, por exemplo, na revista Conjuntura Econômica (Setembro/2009), no espaço da Carta do IBRE, “A carga tributária e os nossos dilemas”, não há o consenso sobre qual é o papel que o Estado deve exercer nas nossas vidas (e o que queremos verdadeiramente financiar via tributação). Caso não ocorra um debate franco dentro da sociedade como um todo, podemos comprometer quaisquer chances de um real crescimento estável de longo prazo.
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