Após a
Segunda Guerra Mundial, vários países implantaram amplos sistemas de proteção
social conhecidos como Estado do Bem Estar Social. Apesar das enormes perdas
de vidas humanas, bem como destruição de infraestrutura e instalações
industriais, a Europa era herdeira de uma longa tradição industrial, possuía
mão de obra qualificada, capacidade gerencial e capital - este parcialmente
destruído pela guerra, mas suprido em abundância pelo Plano Marshall.
O
sustento do Estado do Bem-Estar Social exigiu uma paulatina elevação da carga
tributária, que onerou crescentemente sua indústria. Mas isso ocorreu em uma
época em que os produtos industriais valiam mais do que os produtos
primários, e a indústria do mundo capitalista concentrava-se na Europa e nos
EUA.
Dispondo
de tecnologia, mão de obra qualificada e capital, as empresas europeias
suportaram a pesada tributação, pois não havia concorrência significativa dos
países mais pobres. Importando bens primários dos países em desenvolvimento,
enquanto lhes exportava produtos industrializados, o Estado do Bem-Estar
Social europeu conseguiu conciliar progresso econômico e tributação
crescente.
Mas os
preços de produtos industriais relativamente aos primários começaram a mudar
nos últimos vinte anos. Na Ásia, países com gigantescas populações
abandonaram as fracassadas experiências socialistas e as estratégias de
desenvolvimento autárquico, mergulhando na industrialização. Milhões de
trabalhadores deixaram a agricultura de subsistência em direção à indústria
exportadora, dispostos a trabalhar por salários que seriam considerados
aviltantes por um europeu. Essa imensa população passou a importar os bens
agrícolas que antes produzia. O resultado tem sido a gradual queda dos preços
internacionais de bens industriais, acompanhada da elevação dos preços de
bens primários.
Operando
em um ambiente internacional de crescente competição, e onerada pela elevada
carga tributária, a indústria europeia passou a depender de sua capacidade de
manter um significativo diferencial tecnológico em relação à indústria dos
países emergentes. Sub-setores de alta tecnologia, nos quais a qualificação
da mão de obra é o fator determinante, têm resistido à concorrência
estrangeira. Mas os baixíssimos custos de produção dos novos competidores
tendem a inviabilizar os setores industriais tradicionais.
Diferentemente
do que se observa na Europa, a indústria asiática desenvolve-se sem o ônus de
uma pesada tributação, pois naqueles países não se implantou o Estado de Bem
Estar Social. Embora o trabalhador asiático ainda tenha uma baixa
qualificação média comparativamente ao europeu, os pesados investimentos em
educação tendem a reduzir essa diferença. Assim, o contrato social europeu
terá que ser reescrito por absoluta falta de alternativas. Isso não significará
o abandono das políticas sociais que tanto contribuíram para a redução das
desigualdades, mas exigirá uma redução dos benefícios concedidos pelo Estado,
adequando-os à nova realidade internacional. A crise das dívidas europeias de
2011 - que decorre da crise bancária de 2008 - está apenas antecipando o
inexorável ajuste longamente adiado.
No
Brasil, com a Constituição de 1988, a jovem democracia brasileira decidiu
implantar um Estado de Bem-Estar Social buscando reduzir a secular
desigualdade de renda. O aumento contínuo da carga tributária foi usado para
arcar com o custeio dos crescentes gastos sociais. Esses gastos são uma
legítima decisão da sociedade brasileira, reafirmada democraticamente a cada
nova eleição. Mas é preciso atentar para suas implicações sobre a estrutura
econômica do país.
Numa
economia aberta, para que um particular setor da economia consiga sobreviver
onerado por uma tributação superior à que incide sobre seus concorrentes
internacionais, é preciso que seu custo de produção seja suficientemente
inferior ao de seus competidores. Isso ocorre com menores salários e/ou maior
produtividade. Abençoada com terra, água e sol em abundância, a produtividade
da agropecuária brasileira é imbatível. A generosidade divina também protegeu
a indústria extrativa mineral e a agroindústria, setor em que a proximidade
da matéria prima constitui um fator importante para o baixo custo de
produção. Mas a perda de competitividade nos demais sub-setores industriais
só será revertida com uma carga tributária menor, com a simplificação da
observância regulatória, com a melhoria da qualidade da mão de obra e da
infraestrutura de transportes, entre outras medidas destinadas a reduzir os
custos de produção.
Mas a
redução da carga tributária não pode anteceder a redefinição das obrigações
do Estado brasileiro, pois isso traria a inflação de volta. Por esse motivo a
reforma tributária permanece empacada. No caso da Previdência Social - a
principal fonte de desequilíbrio fiscal -, a paralisia nas discussões parece
indicar que o eleitor não está disposto a se sacrificar para preservar a
indústria nacional. Prefere gastos públicos elevados, que são sustentáveis
apenas por uma alta tributação que levará o país a concentrar-se nos setores
em que suas vantagens comparativas são esmagadoras. Nesse contexto, as
recentes medidas que protegem alguns setores industriais escolhidos por
critérios obscuros apenas darão sobrevida - e bons lucros - para poucos
felizardos com boas conexões e um eficiente lobby.
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