Inflação de desculpas
Economia

Inflação de desculpas


Em 1999 o país adotou, com sucesso, o regime de metas para a inflação. Ao lado das metas fiscais e do câmbio flutuante, o regime é parte crucial do chamado “tripé macroeconômico”, que desempenhou papel central na estabilização da economia, permitindo, entre outras coisas, uma elevação gradual do crescimento sustentável. A taxa de investimento, que há alguns anos oscilava ao redor de 16% do PIB subiu a 18% do PIB em média nos últimos 4 anos, fenômeno que, sozinho, pode ter acelerado o crescimento potencial em até 1% ao ano entre 2003 e 2010.

Não é segredo, contudo, que o tripé macro vem sofrendo um desgaste contínuo ao longo dos últimos anos. O compromisso com a meta fiscal foi sendo abandonado aos poucos, de forma acabrunhada, é bom que se diga, mas não menos real. Já a flutuação livre da moeda vem se tornando uma ficção desde o final de 2010, o que – como tenho argumentado – permitiu que o aumento do preço em dólares das commodities se traduzisse quase que integralmente numa elevação do seus preços em reais, com sérias implicações negativas para a evolução da inflação.

Resta ainda, ao menos do ponto de vista formal, o compromisso com a meta de inflação, objeto de reiteradas juras de fidelidade por parte do governo, da presidente da República ao presidente do Banco Central, passando pelo ministro da Fazenda. Entretanto, se nas juras não falta o ardor retórico que os menos avisados poderiam confundir com sinceridade, na atuação concreta das autoridades – seja pelos seus atos, seja por meio do seu diagnóstico do fenômeno inflacionário – o comprometimento com a meta passa longe.

Em que pese o reconhecimento explícito por parte do BC que o aquecimento excessivo da economia representa parcela importante da aceleração da inflação, em outras áreas ainda se perde tempo à busca de culpados que não a política econômica pelo aumento persistente dos preços.

Era a comida; agora são os combustíveis (mesmo com o preço da gasolina sob controle governamental). Já a aceleração da inflação de serviços seria “estrutural” (palavrinha que geralmente significa “é um problema, mas não faremos nada a respeito”) e de forma alguma associada à falta de mão de obra que tem levado a um aumento consistente dos salários acima do crescimento da produtividade. Agora, além da inflação de preços, temos a inflação de desculpas.

Não bastasse a contabilidade criativa na questão fiscal, em documento recente o Ministério da Fazenda inova na forma de medir a inflação, afirmando que “o IPCA acumulado em 12 meses [até março de 2011] estaria em 4,76% sem combustíveis e alimentos”, sugerindo, portanto, que os demais preços da economia estariam crescendo uma velocidade muito inferior à inflação cheia naquele período (6,30%).

A inflação, contudo, é uma média ponderada dos diferentes aumentos de preços. Se a inflação total ficou em 6,30%, a inflação de alimentos (peso aproximado de 15%) alcançou 8,76% e a inflação de combustíveis (peso 4,5%) chegou a 5,42%, então a média dos demais preços deve necessariamente ter aumentado 5,89%, bem mais do que os 4,76% estimados pela Fazenda. Atualizando estes números para abril chegamos à conclusão que o aumento dos preços exceto alimentos e combustíveis atingiu 6,19%, só um pouco inferior aos 6,51% registrados pelo IPCA cheio.

Isto mostra que a inflação não é um problema localizado em poucos produtos, mas bastante difundido pela economia, visão diametralmente oposta à patrocinada pela Fazenda.

Não menos reveladora foi a atitude do ministro, que inovou também no campo das desculpas ao argumentar que o estouro do topo da meta não teria ocorrido porque esta não incluiria o segundo dígito após a vírgula...

Dizia Neném Prancha: “se macumba ganhasse jogo, o Campeonato Baiano terminaria sempre empatado”. Se desculpa baixasse a inflação, teríamos uma solução, não um problema.

- Não é minha culpa; peguei inflação na piscina do clube...


(Publicado 11/Mai/2011)



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