Freddy Krueger, importação e inflação
Economia

Freddy Krueger, importação e inflação


Uma constante em filmes de terror para adolescentes é o vilão imortal: não interessa quantas vezes o herói (ou heroína) mate o abantesma, no filme seguinte ele reaparece forte e cruel, como se nada houvesse ocorrido. O mesmo ocorre em debates econômicos, das propostas para fechar a economia à opinião que “um pouquinho de inflação ajuda o crescimento”. Outro exemplo é a ideia que as importações podem prevenir indefinidamente a aceleração da inflação, argumento muito empregado, por exemplo, em 2007, quando a inflação estava abaixo da meta e não faltava quem afirmasse, às vésperas de forte aceleração inflacionária, que as importações haviam alterado permanentemente a dinâmica dos preços.

Há, a bem da verdade, dois canais pelos quais o comércio internacional pode afetar os preços domésticos, ambos, porém, sujeitos a limites. O mais direto refere-se à competição entre o produto nacional e o importado, isto é, o preço em reais do produto importado (considerados fretes, impostos, etc.) funcionaria como um teto para os preços locais, mesmo que a importação não se efetive.

Contudo, o limite para o funcionamento deste mecanismo é óbvio. No caso de produtos que não sejam sujeitos à concorrência internacional (bens não-comercializáveis) a eficácia das importações para disciplina de preços é virtualmente nenhuma. Aluguéis podem ser muito mais baratos em Karachi do que em São Paulo, mas ninguém viajaria diariamente para o Paquistão por este motivo.

Esta questão se torna ainda mais relevante quando lembramos que, mesmo no caso de bens que podem ser importados e exportados a custos reduzidos (bens comercializáveis) há uma fração significativa de não-comercializáveis. A carne comprada em supermercado, para ficar num exemplo, contém uma medida considerável de serviços como aluguéis, transporte, etc., cujos preços não são sujeitos à competição internacional. Posto de outra forma, é provável que o preço da carne no atacado siga de perto preços externos, mas, quando chega no varejo, esta ligação se torna bem mais tênue.

Resta, porém, o segundo canal, menos intuitivo, mas ainda relevante. Numa economia aberta ao comércio internacional nem todo aumento da demanda doméstica precisa ser atendido por expansão correspondente da produção. Isto significa que capital e trabalho (mais o segundo que o primeiro) que seriam utilizados na produção de bens substituídos pelas importações são postos à disposição dos setores produtores de bens não-comercializáveis. Mesmo que as importações não possam substituir diretamente bens não-comercializáveis, elas permitem um aumento da produção destes bens ao liberar recursos que seriam usados em outros setores.

Assim, é possível que a demanda doméstica cresça mais rápido do que seria permitido pela disponibilidade de recursos e tecnologia locais, isto é, acima do crescimento do produto potencial da economia, sem que isto se traduza necessariamente em pressão sobre a utilização dos recursos e, portanto, em aceleração inflacionária. Concretamente, numa economia aberta, a oferta adicional de importações reduz a pressão sobre o mercado de trabalho e, portanto, sobre os salários, implicando menores tensões inflacionárias.

Entretanto, é absolutamente necessário traduzir este argumento em números para saber seu exato alcance. Vamos supor que o Brasil possa sustentar indefinidamente uma taxa de expansão do produto da ordem de 5% ao ano, algo superior à maior parte das estimativas do crescimento do PIB potencial (incluindo as nossas), que tipicamente se situam entre 4% e 4,5% ao ano. Dada a expansão da demanda doméstica (relativamente ao PIB potencial), a que ritmo deveriam crescer as importações (relativamente às exportações) para evitar pressões inflacionárias?

O gráfico sugere a resposta: grosso modo, cada ponto percentual a mais de crescimento da demanda doméstica além do crescimento potencial requer que as importações cresçam de 8% a 9% ao ano mais rápido que as exportações, essencialmente porque importações equivalem a apenas 10% do PIB. Não é por acaso, pois, que as importações crescem aceleradamente e que a insistência em fechar ainda mais o país ao comércio é, na verdade, uma proposta oportunista de setores que pretendem aumentar seus preços.

Fonte: estimativas do autor a partir de dados do IBGE


Isto dito, os limites para a ação antiinflacionária das importações ficam claros. Além da questão dos bens não-comercializáveis, a pouca exposição do país ao comércio internacional requer taxas de crescimento da importação provavelmente insustentáveis a médio e longo prazo. A verdade é que, mesmo no caso de uma economia aberta, a demanda doméstica não pode se distanciar indefinidamente do PIB potencial. Importações ajudam no curto prazo, mas não resolvem o problema universal da escassez.


“Importações resolvem tudo”, afirma Freddy.

(Publicado 2/Set/2010)



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