Economia
FHC na ÉPOCA fala também sobre economia.
FHC fala também sobre economia em entrevista na ÉPOCA desta semana.
ÉPOCA – O que
há de errado na economia do país?
FHC – Todo mundo reiterou
que, no governo Lula, houve continuidade na política econômica. Até a crise de
2008, sim. Com a crise, a política anticíclica adotada foi correta. Aí o
governo pressentiu que havia uma espécie de licença para fazer o que quisesse.
E isso se agravou nos anos Dilma, com a volta da ideia de que você pode fechar
mais a economia, apoiar certas empresas, promover uma política industrial
apoiando certas áreas. Voltamos a uma visão nacional-estatista. A política
fiscal foi abandonada, como se fosse uma persistência do que eles chamavam de
neoliberalismo. Essa incompreensão do que acontecia no mundo já ocorrera antes.
Nos anos 1990, quando se tratava de ajustar a economia para lidar com a
globalização, eles entendiam que era uma questão de ideologia, o tal
neoliberalismo. Não foi só o PT, mas quase todo mundo, por uma posição mais
antiquada que propriamente ideológica. Confundiram uma mudança do sistema
produtivo, com novas tecnologias e novos métodos de transporte, com ideologia.
Meu governo ajustou a economia brasileira à situação do globo. Agora, também
está havendo um equívoco de percepção. Quando houve a crise de 2008, eles
disseram: “Então vamos voltar. A crise nos dá o direito de fazer o que nós
queríamos ter feito antes”.
ÉPOCA –
Voltar para onde?
FHC – Para um Brasil
anterior a 1990. Estamos agora na realidade do Ernesto Geisel (presidente
brasileiro entre 1974 e 1979). No momento em que o mundo vai sair da crise,
o Brasil está voltando nas suas concepções quanto ao desenvolvimento da
economia. Isso me preocupa. Novamente, os Estados Unidos sairão na frente,
sobretudo com a revolução energética que estão fazendo.
ÉPOCA – Neste
momento, Dilma está voltando atrás em algumas políticas e começou com
algumas privatizações.
FHC – Pela força das
circunstâncias. Ela é capaz de entender o erro. Vê o número e se assusta. Mas
aí, quando vai consertar, tem de fazer coisas que não são da alma dela. Então,
tem uma inconsistência. Ela não fala que é privatização, nem fala que é
concessão. Fala que é PPP(Parceria Público-Privada). Ela até recuperou
uma ideia da Idade Média, o lucro justo. Entendo essa reação, o capitalismo é
irritante. Qualquer pessoa sente raiva disso aí. Mas essa é a lógica do sistema
– tem de acumular mais, senão não cresce. O capitalismo não é justo. Quem tem
de ser justo não é o mercado, é o Estado. Se você é neoliberal, deixa por conta
do mercado e comete injustiças. Se você não é, usa o Estado para tentar evitar
que o capitalista arrase tudo.
ÉPOCA – Por
que o brasileiro é tão relutante em reformar o Estado?
FHC – O livro do Raymundo
Faoro Os donos do poder diz que isso vem de longe. Claro que
Faoro exagera. Fala que tudo é o Estado, a corporação, o privilégio, desde
Portugal. Não é bem assim. Há uma luta permanente entre mais e menos Estado. E
ganha sempre o lado do mais Estado. De certa maneira, meu período foi quase um
ponto fora da curva. A gente estava modernizando o Estado e aceitando algumas
regras do mercado. Agora, o Estado ficou mais resistente. Quanto mais você vai
para lugares de menor desenvolvimento no Brasil, mais tem Estado. Mas as
pessoas não percebem algo também verdadeiro: quando o Estado intervém demais,
aumenta a concentração. A concentração de renda, provavelmente, cresceu muito
recentemente.
ÉPOCA – Mas
há duas maneiras de o Estado intervir. No desenvolvimentismo, ele subsidia
empresas e cria estatais. A partir dos anos 1990, o Estado passou a tratar mais
de saúde, educação e políticas sociais. Essa mudança é inexorável ou voltaremos
ao passado?
FHC – Acho que não. Sabe
por quê? No meio dessa mudança, está a democracia. Com a Constituição de 1988,
foi desenhado um futuro social-democrata. Nenhum governo pode olhar apenas para
a economia. O que tentou resolver só a economia foi o Fernando Collor – e não
deu certo. Os governos têm de olhar para os dois lados. Tem de olhar para
educação, saúde, reforma agrária. Há uma massa demandante, que tem voto. No
fundo, qual a base ideológica do governo Dilma? É o desenvolvimentismo. É
crescer o PIB. O meio ambiente atrapalha. A regulação atrapalha. É um pouco a
volta do capitalismo selvagem. Ela parece não perceber que o crescimento do PIB
não depende só do governo, mas tem ciclos. Infelizmente, tocou a ela um ciclo
mau. Como tocou a mim também. Ao Lula, tocou um ciclo bom.
ÉPOCA – Como
será esse embate entre essas forças contraditórias?
FHC – A linha de força
aponta na direção de que esses elementos de corporativismo perderão força.
Levaremos mais tempo para fazer o que poderíamos fazer mais depressa. Mas temos
caminhos. Temos uma sociedade forte. Somos mais ricos em termos relativos e
mais fortes que nossos irmãos aqui da região. Temos um sistema empresarial
vigoroso. A ideologia não prevalece sobre a realidade. Ela atrapalha.
ÉPOCA – O
governo Dilma elegeu como prioridade, até para efeito de propaganda, a
erradicação da miséria. Mas não é uma vergonha um país como o Brasil ainda ter
tantos analfabetos?
FHC – O Brasil vem numa
conquista progressiva da redução da miséria. Segundo o (economista) Ricardo
Paes de Barros, a virada começou em 1999. Foi resultado da estabilização, em
alguma medida da melhoria da educação e de outras políticas. Claro que um pouco
disso também é jogo de palavras. Tem muita miséria ainda. Sobretudo, o emprego
oferecido é de baixa qualidade. Com a ascensão da China, não houve o cuidado
necessário com o desenvolvimento tecnológico e a indústria. Ela passou de 28%
do PIB, nos anos 1980, para 20% no meu governo. Agora caiu para 12%. Isso é uma
coisa preocupante, pela qualidade do emprego que a manufatura gera, apesar de
extração de petróleo, da produção de soja também dependerem de saber.
ÉPOCA – Por
que nossa classe política resiste a entender que o valor da economia moderna
não está, necessariamente, no produto em si, mas no conhecimento que o gera?
Parece que tudo se resolve com mais dinheiro, mais emprego, mais fábrica, mais
máquina...
FHC – Tem razão. Pega a
indústria do petróleo. Do jeito que estava indo, não ia mal não. Estava
criando, também, base tecnológica. A Petrobras tem geólogos, cria gente
preparada, exporta tecnologia. A grande revolução agrícola brasileira dependeu
de quatro fatores: Embrapa, tecnologia, empresários e mudanças no sistema de
financiamento. Estas últimas fui eu que fiz. Foi uma luta danada, para separar
a agricultura da dívida do Banco do Brasil. A base foi a capacidade tecnológica
da Embrapa para aproveitar solos antes não usados, desenvolver sementes e
técnicas de plantio. A ideia de economia primária ou secundária é antiga. Em
lugar de se preocupar com os 12% da indústria no PIB, devíamos nos preocupar
com o resto. Qual o coeficiente tecnológico da indústria? Essa é a chave da
questão. E isso leva à educação de novo. O governo percebeu isso. Criou o
programa Ciência sem Fronteiras. Mas, entre perceber e fazer, há uma distância.
Há a mania de grandiosidade. Tínhamos nos Estados Unidos, no ano passado, 8.500
bolsistas. O governo disse que vamos passar para 100 mil em quatro anos. Claro
que não conseguiremos. Isso é mania de grandeza.
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