Na ÉPOCA desta semana, uma excelente entrevista com o colega GUSTAVO FRANCO, que está lançando “CARTAS A UM JOVEM ECONOMISTA”, texto de leitura obrigatória para economistas ou admiradores da Economia. Na entrevista, já temos uma aula de economia, numa linguagem direta e exata.
ÉPOCA – Em seu novo livro, o senhor diz que a economia é um assunto complexo e que, muita vezes, os economistas a complicam ainda mais. Por quê?
Gustavo Franco – O problema é a comunicação. Primeiro, porque você precisa do vocabulário próprio do saber especializado. É como os médicos. Eles têm um idioma próprio que permite concentrar muita substância em poucas palavras. Segundo, porque é um assunto realmente difícil. E muitos profissionais têm o pudor de não usar analogias do tipo “o país é como se fosse uma família, que tem um orçamento doméstico”. Isso não tem nada a ver. O pudor em usar a simplificação em excesso faz o profissional ser cuidadoso na forma de se expressar – e acho que isso é correto. Agora, é curioso que as pessoas admitam isso do médico, do dentista, mas não do economista, porque é um assunto que todo mundo acha que entende.
ÉPOCA – Em um aspecto as pessoas são tolerantes com os economistas, mas não admitem nos médicos: os erros. Por que os economistas erram tanto?
Franco – Os médicos também erram muito. O tipo de realidade com a qual o economista lida é diferente. Compare, por exemplo, um economista com um físico que quer fazer a previsão do tempo. Ele não é nem capaz de dizer se amanhã vai chover. Não é que as leis da física não funcionem. É que os sistemas que ele examina, com os instrumentos de computação e tecnologia de que dispõe, não lhe permitem previsões. Na economia, é a mesma coisa. A gente erra igualzinho a qualquer outro profissional que se empenhe em prever o futuro.
ÉPOCA – O senhor diz que, se pudesse escolher um lema para a profissão, escolheria “Não há almoço grátis”, de Milton Friedman. O que há de tão importante nisso?
Franco – Ele combina uma tonalidade mundana com algo com o qual cada um de nós está envolvido o tempo todo. Em nosso cotidiano, há dez situações que acontecem durante o dia em que você pode verificar que não há almoço grátis. Tem de fazer escolhas. Tem de escolher entre ficar com o dinheiro e comprar alguma coisa, entre comprar uma bicicleta ou um casaco. São situações em que você não pode escolher as duas coisas. Senão, seria moleza, não teria graça.
ÉPOCA – O senhor fala também sobre as patrulhas que existiam no ensino da economia no país quando era estudante, nos anos 70 e 80. Isso ainda existe hoje?
Franco – Quando eu era estudante, existia mais nitidez em relação às escolas de pensamento, principalmente no campo doutrinário. Hoje, não. Desapareceu aquela situação que havia antes da queda do Muro de Berlim, em que você tinha o economista de esquerda e o chamado economista burguês. Hoje, ainda se tenta manter viva essa lenda criando a noção de que há a Escola Neoliberal e os outros. Acho que isso não existe mais. As diferenças são mais questões de embalagem, nuances. No Brasil, se você analisar a atuação do Banco Central no governo Lula, não vai achar uma diferença relevante do que era o Banco Central no governo Fernando Henrique Cardoso. Mesmo assim, você sempre vai ter economistas marxistas. É um tipo de pensamento econômico que só sobrevive como curiosidade e só deve ser olhado como medicina alternativa. Não vai ajudá-lo a pensar sobre o mundo atual.
ÉPOCA – O senhor diz que, no Brasil, havia um patrulhamento e um grande preconceito na academia contra os economistas internacionais que enfatizavam o papel da matemática. Isso também se diluiu hoje?
Franco – Existem dois tipos de patrulha. A mais badalada, que é a ideológica, é menos importante. A mais importante é a patrulha dos amadores. É qualquer pessoa que, quando está diante de um economista, duvida que ele saiba qualquer coisa sobre economia que quem não é economista já não tenha descoberto, com base na experiência do dia a dia. Muita gente acredita que não é necessário ser um economista profissional, que qualquer pessoa pode entender a economia – e não é assim. Na medicina, se o sujeito for se meter a médico sem se formar, ele pode ir em cana. Na economia, o tempo todo surge um monte de entendidos que falam bobagem.
ÉPOCA – Qual é o maior desafio da economia brasileira para o próximo presidente?
Franco – É o crescimento, sem dúvida. Nosso crescimento ainda está um pouco abaixo do potencial e excessivamente dependente do consumo. Está destinado, portanto, a ser baixo. Esse é o grande desafio, a elevação do investimento. Vai haver diferenças de opinião sobre a melhor forma de fazer isso, e espero que a campanha eleitoral ajude a esclarecer a população.
ÉPOCA – O senhor tem sido um crítico duro dos gastos públicos no atual governo. Isso deve ser uma das prioridades do novo presidente?
Franco – Sem dúvida. Hoje, ao contrário do que acontecia na época da inflação elevada, o governo tem de lidar com uma espécie de avaliação da solidez e da consistência da política econômica pelo mercado, em tempo real. Quando o governo erra, as coisas começam a pesar quase imediatamente. No Brasil, na época do Delfim (Netto, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento), o governo podia fazer bobagem durante anos. Não tinha mercado, não tinha liberdade de imprensa. Era um mundo diferente. Agora, com a globalização, a movimentação de capitais serve como um plebiscito contínuo. Isso acaba levando o governo a fazer as coisas certas. Posso até afirmar que algumas coisas feitas pelo presidente Lula não foram feitas por convicção, mas por causa desse entorno.