Atualmente a grande maioria dos economistas estuda os problemas econômicos com duas estruturas teóricas distintas. Essas estruturas de pensamento formam paradigmas teóricos bem diferentes e até mesmo contraditórios logicamente, se tentarmos unificar um com o outro: Uma base teórica dita microeconômica e uma base teórica dita macroeconômica.
A teoria microeconômica é um grande conjunto de modelos teóricos neoclássicos, que são baseados no individualismo metodológico e no subjetivismo de valor. Analisa as escolhas dos indivíduos sob restrição de meios para atingir fins praticamente ilimitados e as conseqüências dessas escolhas para eles mesmos e para os outros indivíduos no mercado. Esse método de análise é geralmente utilizado para explicar fenômenos como a relação entre a oferta e a procura, a estrutura de preços no sistema econômico, o rendimento dos proprietários dos fatores de produção derivado da venda desses fatores no mercado, a eficiência ou ineficiência de estruturas de organização industrial e outros tipos de problemas encontrados “perto” do domínio de escolha individual de cada agente, que representa uma pequena parcela de todos os processos de troca que constituem um sistema econômico de mercado.
Já o método macroeconômico é baseado na relação entre agregados estatísticos de um sistema econômico inteiro ou normalmente, de uma entidade grande como um país, formado por milhões ou bilhões de indivíduos. Não é fundamentalmente neoclássico (com certas exceções), mas sim é baseado em teorias desenvolvidas nas décadas de 1930 e 1940 por economistas como Keynes e Kalecki. A partir de certas preposições sobre as relações de causa e efeito desses agregados é construída uma estrutura teórica para explicar problemas tidos como macroeconômicos: Desemprego involuntário, inflação, flutuações no “produto nacional”, crescimento do “produto nacional” e outros problemas relacionados com medidas de dados estatísticos agregados, problemas que não deveriam nem existir para o modelo de equilíbrio geral.
No modelo de equilíbrio geral, a oferta e demanda de todos os bens está igualada, ou seja, os preços de todos os produtos estão em completo equilíbrio. Todos os indivíduos realizam todas as trocas mutuamente benéficas possíveis se levando em consideração os custos de transação e de informação. A lucratividade bruta de todas as firmas é igual a taxa de originária de juros (a taxa de juros num completo equilíbrio onde ela é determinada unicamente pelas preferências temporais) mais um bônus pelo risco do empreendimento, que varia conforme o empreendimento. Os preços de um produto qualquer sempre serão iguais por toda a extensão do mercado, qualquer diferença implicaria num erro genuíno dos agentes, ou seja, na falha desses agentes de agir de forma ótima. Essa é a situação prevista pela microeconomia, se levada a suas ultimas conseqüências lógicas.
Nesse tipo de situação não existe desemprego já que a oferta e a procura de mão de obra se encontra igualada, logo ninguém que está disposto a trabalhar deixa de obter um emprego. Se alguem que não tem a miníma capacidade produtiva, ou seja, não tem capacidade em converter seu trabalho em bens valorados pelos consumidores, estiver com vontade de trabalhar, não vai trabalhar já que ninguém iria contratar essa pessoa. O pleno emprego no equilíbrio ocorre porque como cada indivíduo conseguiu antecipar as conseqüências relevantes, para sua “função de utilidade”, de suas escolhas, ele consegue agir de maneira a nunca oferecer ou demandar trabalho que não será vendido/comprado por outro indivíduo. Isso ocorre porque num equilíbrio não existe incerteza em relação a disposição dos consumidores em comprar o produto do trabalho de alguem, logo os salários se igualam ao produto do trabalho e todos que querem trabalhar recebem o produto de seu trabalho, sem desemprego involuntário.
Também não existe inflação, já que um aumento generalizado dos preços (nominais) só pode ocorrer quando temos uma economia monetária. Uma economia em completo equilíbrio é sempre uma economia sem moeda. A moeda é um meio de troca que deriva seu valor da expectativa dos indivíduos na possibilidade de que ela possa ser trocada por um bem realmente útil para eles, a moeda é um bem cuja existência depende da demanda por encaixes dos indivíduos, ou seja, da preferência dos indivíduos em manter uma certa quantidade de meios de troca que podem ser convertidos em bens uteis no futuro. Encaixes de moeda mantidos por indivíduos só existem quando o futuro é incerto. Se assumirmos que o futuro não for incerto, o indivíduo vai trocar a totalidade de seus encaixes por bens uteis no presente (tanto bens de consumo quanto de capital, dependendo das preferências temporais desse indivíduo), já que ele sabe o que ele vai preferir no futuro, logo não precisa manter uma reserva para as incertezas do futuro. O equilíbrio geral é um estado de coisas onde a incerteza genuína não existe, já que para cada indivíduo se coordenar com os outros indivíduos e com os dados do mercado não pode existir incerteza em relação a esses dados e indivíduos. Logo no equilíbrio a demanda por moeda sempre será nula, o que significa que não temos encaixes, logo não temos moeda genuína. Ou seja, um bem que é utilizado como meio de troca e é armazenado não para satisfazer necessidades diretas mas sim para ser trocado por outros bens. Nota-se que nos modelos microeconômicos de equilíbrio geral e parcial se utiliza a moeda como unidade de contabilidade para servir de numerário, não para servir de meio de troca.
Outros problemas como flutuações gerais na atividade econômica também não ocorrem em modelos micreconômicos (com exceção da teoria dos ciclos reais de negócio, que praticamente assume de antemão que os dados do mercado sejam o fator gerador da flutuação, e não uma descoordenação da estrutura do sistema econômico). Já que um ciclo de negócios é um fenômeno caraterizado por flutuações no nível de erros dos planos dos agentes. Crises são períodos de erro generalizado, as expectativas dos empresários em relação a produtividade dos fatores se mostra superestimada, onde muitas ou mesmo a maioria das firmas tem prejuízo e os trabalhadores tem expectativa de arranjar emprego em setores onde a demanda por mão de obra é menor do que a antecipada e por salários maiores do que os salários que os empresários estão antecipando que os consumidores paguem pelo produto do trabalho. Já períodos de boom são períodos onde a produtividade dos fatores se mostra (temporariamente) maior do que esperada, onde os preços dos fatores são menores do que os preços dos produtos desses fatores, ou seja, é um período onde geralmente as empresas tem elevados lucros e a demanda por mão de obra é mais elevada do que a oferta, ou seja, a tempo necessário para trocar de emprego se torna em média menor que o tempo natural (que corresponde a taxa de desemprego natural). Nesse tipo de flutuação ocorre o que simplesmente não pode ocorrer na teoria neoclássica: Preços diferentes de um mesmo bem e descoordenação geral da estrutura de produção.
Logo se torna claro que os problemas macroeconômicos não podem ser explicados pelos modelos microeconômicos. Já que são modelos de equilíbrio, e a macroeconomia lida com problemas causados pela natureza dinâmica do sistema econômico. Onde as forças coordenadoras não são infinitamente fortes, logo onde o equilíbrio é só uma tendência que se manifesta a longo prazo.
A explicação da razão desse tipo de problema só aparecer quando vemos o sistema econômico de cima vem do entendimento da dupla natureza do problema do conhecimento: Existem na verdade dois tipos de problemas do conhecimento, o primeiro é o que ocorre quando o indivíduo formula um plano de ação que não pode ser concluído da maneira como foi planejado originalmente, nesse caso os erros no plano se manifestam diretamente para a mente do planejador quando ele executa o plano. O primeiro pode ser demonstrado num simples caso de erro na antecipação da situação do mercado: Se um indivíduo planejou vender 100 maças por 2 cada uma, mas por esse preço só conseguiu vender 50, ele descobre que errou em suas expectativas na demanda por maças, logo irá reformular seu plano e se assumirmos que os dados do mercado não mudem ao longo do tempo, o plano dele irá gradualmente se aproximar de um plano de equilíbrio.
Já o segundo tipo de problema do conhecimento surge quando o planejador consegue fazer um plano coerente com os dados do mercado, logo um plano que não precisa ser modificado ao longo de sua execução. Mas ele deixa de incluir fatores que deveria incluir se fosse maximizar sua utilidade, ou seja, é um problema que surge quando temos um equilíbrio parcial, não no sentido usual do termo mas no sentido que ele não é um equilíbrio genuíno porque o indivíduo não coordenou completamente seu plano. Por exemplo, no caso do vendedor de maças, ele errou por apostar suas fichas no mercado de maças, o mercado de bananas seria muito mais lucrativo, mas ele não irá descobrir isso vendendo maças. Só através de sua percepção para possibilidades de lucro não exploradas que ele irá modificar seu plano. Como os indivíduos tem sempre certa capacidade de perceber possibilidades de ganho espontâneo, se assumirmos que os dados do mercado são constantes, então a tendência ao equilíbrio também ira emergir nesse caso, mas será bem menor.
Logo a diferença entre os dois problemas do conhecimento reside no fato de que a tendência equilibradora do primeiro é muito maior do que no segundo caso, particularmente quando o processo empresarial de descoberta de possibilidades lucrativas por trocas interpessoais está bloqueado. Isso explica porque os mercados para cada bem individual sempre estão bem próximos de um equilíbrio, já para o sistema como um todo o equilíbrio é um tendência extremamente distante. Por exemplo, o mercado de gasolina está sempre bem próximo da igualdade entre a oferta e a procura por gasolina, ou seja, os empreendedores antecipam quase que corretamente a quantidade de gasolina demandada e conseqüentemente a quase totalidade da gasolina oferecida no mercado é vendida. Já a alocação do trabalho nunca está próxima do equilíbrio, trabalho é um fator de produção extremamente heterogêneo, e por isso existe uma infinidade de possibilidades de alocações dele, e para conseguir a melhor possível só resolvendo completamente o segundo problema do conhecimento.
Além da dupla natureza do problema do conhecimento também existe o fato de que um sistema econômico caracterizado por pequenos desequilíbrios em cada parte do mercado geram um grande desequilíbrio no sistema como um todo. Já que cada setor afeta todos os outros, e uma pequena descoordenação localizada gera descoordenações por toda a estrutura do sistema. Milhões de pequenas descoordenações se combinam e geram uma desordem geral. Por essas razões que modelos de equilíbrio, que são os modelos micreconômicos, só podem ser aplicados com um grau razoável de realismo em pequenos pedaços do mercado, onde o equilíbrio é um estado mais próximo, do que no sistema econômico como um todo. Logo, modelos de equilíbrio parcial são sempre mais realísticos que modelos de equilíbrio geral.
Nas últimas décadas os economistas do mainstream estão tentando desenvolver bases micreconômicas para a teoria macroeconômica utilizando seus modelos de equilíbrio. Com esses modelos, algumas explicações interessantes para as teorias macroeconômicas coerentes com os pressupostos básicos da micreconomia foram formuladas. Para esse economistas, os preços não se equilibram instantaneamente porque existem custos de menu, logo os preços dos menus só são alterados a partir de um certo ponto onde o custo de alterar o preço no menu é menor do que os benefícios. O desemprego involuntário existe porque determinar o produto marginal do trabalho requer um certo despendimento de recursos, logo alocar a mão de obra não é um processo instantâneo devido ao custo da produção da informação necessária para equilibrar o mercado. E a teoria dos ciclos reais de negócios, que explica as flutuações na economia como sendo causadas por fatores exógenos, ou seja, fatores externos ao sistema econômico. Os ciclos são inevitáveis, e representam uma alocação perfeita dos recursos ao longo do tempo, que respondem a variações na produtividade dos fatores.
Embora esses modelos de equilíbrio tenham certo poder explicativo, eles falham em explicar os erros que os agentes cometem, que são a verdadeira raiz dos problemas macroeconômicos. Para que a ciência econômica progrida no campo dos problemas macroeconômicos é necessário reconstruir as bases microeconômicas, levando em conta o processo de mercado, senão ficaremos eternamente sem compreender a natureza dos problemas macroeconômicos e sua relação com a ação individual dos agentes.