Ensaio - Quebrando as correntes walrasianas da economia moderna
Economia

Ensaio - Quebrando as correntes walrasianas da economia moderna


Quebrando as correntes walrasianas da economia moderna


Na economia moderna o uso de modelos para ajudar na compreensão teórica das bases da economia acabou gerando um problema gravíssimo, um problema que emergiu do paradigma ortodoxo devido a má interpretação do significado do equilíbrio walrasiano. E a subseqüente produção de modelos inseridos dentro da interpretação walrasiana da realidade acabou afastando a economia da realidade que ela se propõem a compreender.


Atualmente os modelos econômicos colocam os agentes dentro de um esquema de maximizar a utilidade a partir de certos parâmetros, definidos pelo modelo. Quando todos os agentes do modelo maximizam a utilidade, temos um equilíbrio, que é o resultado do modelo. Um grande problema desses modelos é que eles amarram as escolhas dos indivíduos aos parâmetros do modelo (um problema tão grave quanto a desconsideração dos processos equilibrativos para a relevância da análise em equilíbrio), o problema é que o funcionamento da realidade é completamente diferente devido a natureza não limitada dos parâmetros com que os indivíduos tem que lidar em seu processo de ação, ou seja, os modelos onde os indivíduos realizam trocas com relação a um sistema de preços já definido não tem nenhuma relação direta com a natureza do funcionamento dos processos econômicos da realidade. Esse problema, delimitação dos parâmetros que os indivíduos levam em conta nas suas escolhas, é causado pela análise de estados de equilíbrio, que por definição são estados onde os indivíduos já perceberam todos os parâmetros relevantes no seu processo de ação. Só que uma realidade em desequilíbrio, ou seja, uma realidade onde cada agente está em constante processo de formação de um quadro de parâmetros relevantes para suas escolhas, não pode ser analisada com o uso de modelos onde os agentes maximizam a utilidade em relação a alguns parâmetros dados no modelo.


Um bom exemplo, no modelo neoclássico de monopólio, temos um agente que possuí todos os bens de um determinado tipo, e oferta esses bens no mercado. O modelo chega a um resultado sub ótimo, mas como será explicado posteriormente, esse resultado é sub ótimo justamente devido a natureza “coerciva” dos parâmetros (forçando os agentes agirem de uma forma que eles não agiriam no ambiente onde as escolhas possíveis não são limitadas pelos pressupostos do modelo).


O modelo assume que:

1- O agente que oferta os bens determina o preço através da quantidade ofertada.

2- Os agentes que demandam o bem ofertado são tomadores de preço.

3- O monopolista cobra um preço uniforme.

4- Todos os agentes maximizam a utilidade em relação aos parâmetros colocados, o monopolista coloca um preço tal que sua utilidade seja maximizada e oferta seu estoque no mercado sempre consciente dos efeitos da variação da oferta no preço.


O modelo chega a conclusão que a alocação do bem monopolizado é ineficiente porque o monopolista escolhe ofertar uma quantidade menor do que ele estaria disposto a ofertar no preço estabelecido num equilíbrio competitivo porque dessa forma ele consegue um preço maior, devido a elasticidade imperfeita da curva da demanda, e consegue um resultado melhor para ele, embora seja um resultado ineficiente, porque existem indivíduos que estão dispostos a pagar um valor maior do que a valoração que o monopolista atribui ao bem que ele monopoliza.


O elemento mais importante que notamos na construção desse modelo, e na construção de todos os outros modelos que existem hoje, é sua natureza “delimitada”, ou seja, os agentes tem sua capacidade de ação amarrada pelos parâmetros iniciais do modelo. No caso desse modelo de monopólio, a alocação se torna ineficiente porque o monopolista não tem liberdade de discriminar preços, ou porque os consumidores não tem liberdade de barganhar com o monopolista e também porque não existe a possibilidade de entrada de outras firmas. Se tirarmos qualquer uma dessas amarras do modelo, a alocação se torna eficiente. O problema da economia matemática não é construir modelos com amarras realísticas no sentido que são parâmetros verificados empiricamente (como a justificativa empírica para o modelo de monopólio: as grandes empresas geralmente colocam um preço nos seus produtos, e os consumidores agem como tomadores de preços, e geralmente não ocorre discriminação de preços), mas é na verdade a falta de entendimento da natureza dos problemas que devem ser enfrentados pela ciência econômica, ou seja, se deve construir um modelo que explique da onde que vêm as “amarras”, ou seja, como que os preços emergem, como que o comportamento tomador de preços emerge, porque os agentes são tomadores de preços ou price makers, porque o equilíbrio tende a ser alcançado (nesse caso a maioria dos modelos simplesmente assumem o equilíbrio), etc.


Nota-se que a economia ortodoxa é apenas um conjunto de princípios para a construção de modelos. Ela não é uma teoria unificada, na verdade é um arsenal de teorias variadas, onde cada uma pode ser interpretada como sendo a realidade. E como existem modelos onde o mercado seja eficiente e modelos onde o mercado seja ineficiente, temos modelos para todos os gostos ideológicos. Se você é um economista intervencionista, temos modelos de concorrência imperfeita, modelos com externalidades, bens públicos, e etc, que justificam as intervenções que você defende. Já se você é liberal, temos modelos como concorrência perfeita, concorrência de bertrand, mercados contestáveis, teorema de coase, e etc, onde o mercado é eficiente, servindo de justificativa para defender a menor intervenção estatal. O problema é que temos que descobrir se esses modelos estão corretos ou não (no sentido que explicam adequadamente a realidade), e não iremos descobrir se eles podem explicar a realidade se não compreendermos a essência dos problemas econômicos. E a essência dos problemas econômicos está na formulação de uma teoria que explique a emergência dos parâmetros que os modelos matemáticos dão como dado.


Existe uma teoria que consegue explicar de forma bem sucedida o processo de formação dos parâmetros que os agentes individuais devem levar em consideração quando formulam seus planos de ação. Ou seja, é uma teoria que serve de base para a construção de uma visão da realidade, uma teoria econômica unificada. É uma teoria que explica o processo de formação de tendências equilibrativas, explicando a formação de preços, contratos e etc, que servem de base para explicar como que um equilíbrio geral walrasiano tenderia a emergir da economia do mundo real. Essa é a teoria de processo de mercado, desenvolvida em sua forma atual por Kirzner. É impossível para alguém que conheça bem a teoria de processo de mercado não compreender as implicações titânicas dela para toda a ciência econômica.


Eficiência e amarras no equilíbrio


Na teoria ortodoxa temos modelos que chegam a equilíbrios eficientes, e modelos que chegam a equilíbrios ineficientes. Eu argumentarei que pela teoria de processo de mercado, todo equilíbrio é perfeitamente eficiente, se não é perfeitamente eficiente, então não é um equilíbrio. Por que? Para os economistas da EA o termo equilíbrio tem um significado bem preciso, significa uma situação onde todos os agentes já descobriram a totalidade das implicações e significa da estrutura das informações relevantes para a formulação de planos de ação, ou seja, onde todos os agentes já formularam planos de ação que não serão modificados com a passagem do tempo, porque os agentes não vão descobrir erros nesses planos com a passagem do tempo. Nessa situação os agentes já tem uma percepção perfeita de tudo o que eles podem fazer para passar de um estado menos satisfatório para um estado mais satisfatório. Então eles maximizam a utilidade com base em tudo que podem fazer, dado tudo o que os outros agentes já fizeram. Para organizar melhor as idéias:


Numa situação com essas 2:

1- Temos um mercado, o que significa que temos propriedade privada e liberdade de contrato. Um agente não pode agir e reduzir o nível de satisfação de outro agente diretamente, já que isso implica em agressão (mas pode deixar de melhorar o nível de satisfação de outro agente, digamos, se num caso de 3 pessoas, desses, dois realizam uma troca, mas no dia seguinte o terceiro oferece termos de troca melhores para um dos dois, o outro dos dois fica numa situação pior do que estaría se a troca não fosse alterada, mas é claro que ele não é agredido).


2 – Os agentes que povoam o mercado maximizam a utilidade (ou seja, formulam planos de ação que não precisarão ser modificados durante o processo de ação, o que é a definição de equilíbrio).


Logo: Temos uma alocação pareto eficiente, porque se tivermos uma alocação que não é pareto eficiente temos uma situação onde pelo menos 2 agentes poderiam realizar uma troca mutuamente benéfica, o que significa que os agentes não estão numa situação onde maximizam a utilidade, já que qualquer agente pode traçar um plano onde ele se aproveita dessa troca potencial não realizada para obter lucros. Como? Se existe uma alocação ineficiente, existe pelo menos uma diferença entre a valoração de um bem em relação a outro bem para um agente em relação a valoração de algum outro agente em relação a esse dois bens (diferença na taxa marginal de substituição), o que significa que existe a possibilidade de um empreendedor extrair essa diferença realizando duas transações a preços diferentes, desde que os preços sejam atrativos o suficiente para que os agentes proprietários dos bens aceitem as condições de troca (isso ocorre quando o preço ofertado é pelo menos um infinitesimal maior do que a valoração relativa do bem pelo agente). Nota-se que essa teoria implica numa situação de mercado onde se um agente consegue formular um plano de ação que esgota as suas possibilidades de melhora (plano de equilíbrio), então as possibilidades de melhora de todos os outros agentes também estão esgotadas, isso significa que se um agente atinge o equilíbrio, todos os agentes atingem o equilíbrio.


A propriedade fundamental da economia de mercado é que qualquer descoordenação dos planos de ação de algum agente representa uma possibilidade de ganho não só para aquele agente, mas para todos os agentes na forma de lucro potencial. Ou seja, as discrepâncias do sistema de preços representam o meio pela qual qualquer agente pode corrigir a descoordenação dos planos de qualquer agente. O mercado combina as capacidades de percepção dos dados do mercado de todos os agentes, e essa combinação da capacidade de percepção permite que existam tendências equilibrativas robustas no sistema econômico, ou seja, que existam tendências sistemáticas robustas na direção de uma maior coordenação dos planos dos agentes.


Claro que a realidade nunca está em equilíbrio e por isso que os mercados do mundo real nunca são perfeitamente eficientes. Mas é exatamente por isso que os defensores da teoria de processo de mercado argumentam que a intervenção estatal tende a ser prejudicial. Se temos uma ineficiência, então empreendedores podem descobrir essa ineficiência e corrigi-la. Por isso que a criação de impostos sobre lucros sempre vai reduzir a intensidade das forças equilibrativas do mercado. Na verdade esse é possivelmente o tipo de imposto mais danoso ao sistema econômico, já que reduz a capacidade do mercado em descobrir e realizar as possibilidades de trocas mutuamente benéficas ainda não exploradas.


Então a teoria austríaca, já que lida com a natureza do conhecimento e suas implicações para o ciência econômica, consegue mostrar que o que realmente importa não são as conseqüências de um sistema de incentivos de qualquer tipo de organização, mas sim o processo de descoberta de meios de gerar incentivos que levem a uma situação mais satisfatória do que a anterior. O mercado é um processo de geração de estruturas de incentivos melhores do que as anteriores, não é "uma" estrutura de incentivos.




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