Quando o samba acabou
Economia

Quando o samba acabou


A crise econômica trouxe de volta ao debate o papel da política fiscal no arcabouço geral de política econômica brasileira. Ao contrário de episódios anteriores, nos quais o choque externo também implicava deterioração das condições fiscais do setor público, desta vez a dívida pública caiu bruscamente, graças à criticada política de acumulação de reservas (e derivativos cambiais) por parte do Banco Central, que gerou um imenso ganho de capital a partir da desvalorização da moeda, cumprindo seu papel de “seguro” no caso de crise.

Assim, ao invés de sermos forçados, como de hábito, a uma forte contração fiscal nas pegadas da crise internacional para compensar o efeito da desvalorização sobre a dívida, podemos hoje discutir a conveniência de adoção de uma política fiscal anticíclica para mitigar os efeitos da “marolinha” sobre o Brasil.

No entanto, apesar da melhora no quesito dívida pública, uma análise mais cuidadosa revela um conjunto ponderável de entraves ao uso mais ativo da política fiscal, essencialmente por conta da forte expansão do gasto corrente.

De fato, nos últimos cinco anos o PIB per capita brasileiro se expandiu à taxa média de 3,2% ao ano, seu melhor desempenho desde 1980. Em que pese a aceleração do crescimento durante o auge cíclico da economia mundial, os gastos públicos não pararam de aumentar. Pelo contrário, entre 2003 e 2008 o gasto federal primário se elevou de 15,1% para 17,6% do PIB, aumento este concentrado nos gastos correntes e financiado pelo crescimento rápido da arrecadação que, no mesmo intervalo, se ampliou em 3,7% do PIB.

Este padrão foi colocado em xeque, porém, pela queda severa da arrecadação a partir do agravamento da crise externa. Parece claro agora que as receitas federais irão se reduzir como proporção do PIB, ao mesmo tempo que a elevação real do salário mínimo e, talvez, os aumentos salariais a serem concedidos ao funcionalismo, contribuirão para elevar o gasto corrente.

Esta combinação perversa já ameaça a meta fiscal deste ano. Assim, não por acaso, a exemplo do que observamos em meados de 2007 quando da definição da meta de inflação para 2009 (4,5%, porém, como escrevi à época, permitindo ao BC buscar um número mais baixo, desde que as condições macroeconômicas permitissem e a Lua se alinhasse a Escorpião, mas apenas se a migração das borboletas birmanesas não fosse prejudicada pela menstruação das lhamas) vivemos um caso de ambiguidade “desconstrutiva”. A meta, dizem, ainda equivale a 3,8% do PIB, podendo ser reduzida, se usados o Programa Piloto de Investimentos e o Fundo Soberano, mas talvez não, ou sim, quem sabe?

A triste verdade é que o comportamento do governo durante a expansão gerou o problema. Tivéssemos, a exemplo do que fez o Chile, poupado as receitas cíclicas, ao invés de usá-las para aumentar o gasto corrente – cuja redução futura é quase impossível num ambiente de baixa inflação – o acanhado espaço hoje disponível para expansão do investimento público seria bem maior.

E é justamente o investimento quem teria melhores condições de desempenhar um papel anticíclico. Enquanto um aumento permanente do gasto público implica uma elevação futura equivalente dos impostos, reduzindo o gasto privado corrente, gastos temporários requerem menor expansão da carga e, portanto, têm efeito depressivo menor sobre o dispêndio privado.

Infelizmente, a conta da expansão descontrolada do gasto corrente está sendo cobrada agora. Resta esperar que aprendamos a lição a tempo do próximo ciclo econômico.

(Publicado 18/Mar/2003)



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