Economia
Dilema
Leitor voraz de jornais, me deparei há uns dias com a declaração de uma figura do alto escalão econômico do país comemorando a queda do preço das commodities, que, segundo ele, abriria espaço para a redução adicional da taxa de juros. Achei curiosa a celebração, pois, sendo o país um produtor e exportador de commodities, certa dose de masoquismo parece ser necessária para entender tamanha satisfação.
Com efeito, qualquer um que tenha acompanhado o desempenho econômico do Brasil nos últimos anos deveria ter em mente o papel central que a elevação do preço internacional das commodities desempenhou de 2001 para cá.
Entre 2001 e 2011 os preços de commodities em dólares (medidos pelo índice CRB) aumentaram 77%, já descontada a inflação (medida pelos preços ao produtor nos EUA). Não por acaso, os preços médios das exportações brasileiras cresceram 86% acima da inflação no mesmo período, superando amplamente a elevação dos preços de produtos importados (38%).
Assim, cada unidade exportada pelo Brasil em 2011 podia comprar 34% a mais do que em 2001. Dado que a quantidade exportada cresceu 75% nesse período, nosso poder de compra externo aumentou nada menos do que 135%, permitindo uma elevação considerável das importações sem piora das contas externas. De fato, o déficit externo, que equivalia a 4,5% do PIB (40% das exportações) em 2001, caiu para 2,1% do PIB (20% das exportações) em 2011.
Segundo minhas estimativas, esta melhora trouxe um ganho ao país da ordem de US$ 60 bilhões no ano passado, ou seja, 2,4% do PIB. Na prática permitiu que a demanda interna crescesse sistematicamente acima da produção local (algo como um ponto percentual por ano nos últimos seis anos), sendo a diferença coberta por maiores importações, pagas principalmente pelo aumento do poder de compra das exportações. Não há como exagerar o papel das commodities nesta história.
Todavia, tais preços vêm caindo desde o terceiro trimestre de 2011, trazendo consigo os preços das exportações nacionais e revertendo (parcialmente) o fenômeno observado até então. No primeiro trimestre deste ano cada unidade exportada podia comprar cerca de 6% a menos do que no terceiro trimestre do ano passado.
Por conta disso, de janeiro a março deste ano as exportações atingiram cerca de US$ 4,5 bilhões a menos do que poderiam ter atingido caso os preços não houvessem caído, pouco menos de 1% do PIB. Sem queda adicional de preços estimo que as perdas podem chegar à casa de US$ 25 bilhões no ano, já descontado o efeito dos menores preços de produtos importados. Como houve redução adicional, contudo, este valor representa hoje a estimativa mínima para a perda associada à queda de preços de commodities.
À luz do descrito acima não é difícil entender a relação estreita entre esses preços e o desempenho da moeda. Tipicamente o real se aprecia quando os preços de commoditiessobem e perde valor quando o contrário ocorre, impedindo que seu aumento (ou queda) se traduza integralmente para os preços em reais e, portanto, mitigando seu efeito sobre a inflação doméstica.
Entretanto, a intervenção pesada sobre a taxa de câmbio tem limitado este mecanismo amortecedor. Enquanto os preços das commodities em dólares caíram 9% entre o terceiro trimestre do ano passado e abril de 2012, estes preços medidos em reais aumentaram 3% no mesmo intervalo (6% nos últimos dois meses), de onde se torna difícil ver sua propalada contribuição à queda da inflação. Por outro lado, a queda na capacidade de importar também reduz o papel das commodities no sentido de manter baixos os preços de produtos manufaturados.
Em suma, celebrar a queda do preço de commodities me parece um exercício em masoquismo econômico, ou então um desconhecimento alarmante do processo que vitaminou nosso crescimento nos últimos anos. Não saberia dizer qual é a pior alternativa.
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A real eye-opener... |
(Publicado 9/maio/2012)
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