Delfim Netto: O governo e a inflação - Valor Econômico
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Delfim Netto: O governo e a inflação - Valor Econômico



O Brasil está vivendo um momento complicado. Por um lado, há dúvida geral, ampla e irrestrita sobre a natureza do processo inflacionário que atinge, em grau maior ou menor, todos os países do mundo. E, por outro, há uma perplexidade entre os economistas que têm consciência da precariedade dos modelos macroeconômicos sofisticados que utilizamos há pelo menos 20 anos. Deles temos extraído, impropriamente, recomendações "normativas" que refletem, muito mais, como gostaríamos que a economia funcionasse do que ela mostrou que funciona. Curiosamente, a única exceção - a ilha de certezas nesse mar de incertezas - é a convicção religiosa de alguns "falcões" que continuam a pensar-se como portadores de uma verdadeira "ciência monetária" que indicaria a mezinha eficiente.

Todo processo inflacionário se explica por uma combinação variável de três causas:
1ª) um desequilíbrio persistente entre a oferta e a demanda global de bens e serviços;
2ª) por uma desancoragem (por múltiplas razões, inclusive a anterior) da "expectativa" inflacionária;
3ª) por um "choque de oferta" interno ou externo.

No regime de câmbio flutuante, quando o choque externo é um grande aumento das relações de troca (combinado com um imenso diferencial entre a taxa de juros real interna e a externa), ele é "filtrado" por uma valorização da taxa de câmbio. Quando essa valorização começa a produzir a destruição de importantes atividades internas é natural que as autoridades econômicas tentem controlar o processo, mas não podem fazê-lo sem criar outros problemas. No momento, por exemplo, as intervenções no mercado de câmbio nos levaram praticamente a uma taxa fixa de câmbio, o que diminui os riscos e estimula ainda mais a arbitragem cambial. Tal política de curto prazo é claramente incompatível, no longo prazo, com a liberdade de movimento de capitais.

O cabo de guerra entre os "falcões" e o governo parece estar amainando, desde a última declaração do Banco Central que o ajuste dos juros será suficientemente prolongado para promover a convergência da taxa de inflação para o centro da meta de 2012. Além disso, os números fiscais parecem indicar que o governo vai mesmo executar sua promessa de reduzir o crescimento das despesas de custeio e transferências para baixo da taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), dando mais conforto à política monetária.

É preciso dizer que nunca (pelo menos na minha percepção), o Banco Central explicitou a ideia de que iria substituir a política de juros e apoiar-se, apenas, em medidas macroprudenciais. Para quem estava disposto a entendê-lo o Banco Central disse que iria usá-las como coadjuvantes para facilitar os ajustes com menor custo social (e para o Tesouro). Com elas procuraria elevar a taxa de juros real e diminuir a expansão do crédito em setores específicos, reduzindo o aumento da Selic. Esta é injeção na veia no custo da dívida pública. E isso, aparentemente, está sendo conseguido: A taxa de juros real produzida pela Selic (que importa mais para o custo da dívida pública) tem sido mantida constante, mas a taxa de juros real do setor privado que controla o consumo e boa parte dos investimentos (não privilegiado por programas especiais), tem se elevado. Este ano a despesa com juros da dívida pública deve beirar a R$ 190 bilhões, uma respeitável bolsa-juros para os rentistas.

É claro que hoje existe uma pressão interna principalmente nos preços dos serviços. O que não está claro é se ela deriva de um excesso de demanda global ou de um desajuste mais profundo no mercado de trabalho devido à mudança na estrutura da oferta e da demanda de mão de obra produzidas pelo processo civilizatório que estamos vivendo e que não pode ser corrigido apenas pela taxa de juros. Em nenhum momento o PIB brasileiro rodou, nos últimos anos, a uma taxa anual maior do que 5%. O 7,5% de 2010 e os 9,5% de meados do ano são apenas artefatos estatísticos.

São tais dúvidas factuais e a imensa incerteza teórica em que vivemos que recomendam uma política econômica cuidadosa e paciente, que procura fazer a taxa de inflação retornar ao centro da meta no fim de 2012 com menor custo social. Nada justifica, portanto, o "terrorismo" dos "falcões" que propagam a ideia que o "governo jogou a toalha" no combate à inflação.

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras

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No caso brasileiro é preciso acrescentar uma "jabuticaba": o processo de indexação ainda generalizado que sobrou como resíduo do bem sucedido Plano Real e para cuja eliminação se fez muito pouco (de fato, acrescentou-se mais veneno) nos últimos oito anos.



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