De Carrópolis a Frangoburgo
Economia

De Carrópolis a Frangoburgo


Os 17 leitores já notaram minha preferência pela parábola como meio de transmitir uma ideia. Por mais que a patente falta de realismo dessas fábulas possa ofender as mentes mais apegadas à realidade imediata, não é de hoje que creio que, para entender a realidade, o melhor é se distanciar dela o tanto quanto possível. Peço, assim, novo esforço de imaginação.

Considere uma empresa que produza carros e frangos e os venda em duas cidades: Carrópolis (onde as pessoas só consomem carros) e Frangoburgo (onde o galináceo é o único bem de consumo). Cada produto responde inicialmente por metade da receita da empresa.

Carrópolis, porém, foi assolada por uma grave crise, reduzindo 20% seu consumo. Por outro lado, Frangoburgo manteve seu ritmo de crescimento, expandindo 20% suas compras. Embora a empresa tenha mantido inalterada sua participação de mercado nas duas cidades, tais desenvolvimentos levaram a uma mudança considerável do perfil das suas vendas: carros representavam apenas 40% das receitas, enquanto frangos respondiam por 60% do faturamento.

Ao ver estes números um consultor externo sugeriu ao Conselho que o novo perfil das vendas refletia um sério problema de competitividade justamente no seu produto tecnologicamente mais avançado e que em breve estaria limitada às vendas de frango. Quando as gargalhadas cessaram, o diretor comercial, apiedado, sugeriu ao consultor que, caso quisesse continuar no ramo, não seria má ideia ter noção do que ocorria com os mercados consumidores.

De volta da fábula, observamos uma mudança expressiva na composição das exportações brasileiras no período que se seguiu à crise externa: em agosto de 2008 produtos manufaturados representavam 48% das exportações, enquanto produtos primários eram apenas 36%. Em junho de 2010 estas proporções haviam se alterado para 42% e 41% respectivamente, fazendo alguns preverem para breve o retorno do país à condição de exportador de produtos primários.

Para ser sincero, fosse isto verdade, eu não me preocuparia muito (Austrália e Nova Zelândia, por exemplo, vão muito bem nesta condição), mas o ponto principal não é este, e sim que, como nosso consultor hipotético, defensores desta tese não parecem ter se preocupado com o que possa ter acontecido do lado dos mercados consumidores de produtos brasileiros.

Mantendo o paralelo, podemos pensar no Brasil como um exportador de manufaturas para América Latina , EUA e União Europeia (Carrópolis, que absorve 71% das exportações de manufaturados) e produtos primários para a China (Frangoburgo, destino de 26% destas exportações). Carrópolis e Frangoburgo respondem em conjunto por pouco mais de 60% das exportações nacionais.

As importações de “Carrópolis” caíram 20% entre setembro de 2008 e junho de 2010, enquanto as exportações brasileiras para lá diminuíram 23%, implicando modesta perda de participação de mercado (1,28% contra 1,33%). Por outro lado, as importações chinesas cresceram 8% no período, mas as exportações brasileiras para lá aumentaram 42%, das quais produtos primários (80% do total exportado para aquele país) cresceram 55%.

Assim, caso as importações carropolitanas tivessem crescido o mesmo que as frangoburguesas/chinesas, as exportações brasileiras de manufaturados teriam atingido 46% do total exportado, praticamente a mesma proporção pré-crise (já considerando os efeitos de importações maiores dos EUA e UE sobre as exportações primárias).

Como em nossa fábula, portanto, os números mostram que a mudança na composição das exportações brasileiras reflete (quase) integralmente as alterações do comércio mundial – em particular o crescimento chinês e a retração de EUA, União Europeia e América Latina – e não um problema de competitividade. Mas que relevância têm os dados para o pessoal que já tem as respostas prontas?

Um modelo de dois setores

(Publicado 1/Set/2010)



loading...

- Datafobia
Entre 2007 e 2011 a parcela dos produtos primários na pauta de exportações brasileiras deu um salto de 16 pontos percentuais (de 32% para 48% do total). Tal ganho se deu à custa da participação das manufaturas, que caiu os mesmos 16 pontos percentuais...

- Primário, Primária...
A queda das exportações de bens manufaturados, bem mais expressiva que a observada no caso dos produtos primários, tem gerado frêmitos em setores que temem o retorno do país à condição de exportador de matérias-primas de baixo valor agregado...

- Muito Além Do Jardim
Há quem imagine que estejamos revertendo à situação de um país exportador de produtos primários, já que nos primeiros oito meses deste ano a exportação desses bens superou a de manufaturados, fenômeno que deve perdurar no restante de 2009 e,...

- Só Resta Tocar Um Tango Argentino
Na minha última coluna fiz uma breve menção à queda das exportações brasileiras para a Argentina como um dos fatores que piorou o desempenho da indústria nacional a partir do final do ano passado. Parece inusitado, pois, mesmo sendo a Argentina...

- O Encolhimento Do Saldo Comercial Brasileiro – Parte 2
Um aspecto significativo da evolução do comércio exterior brasileiro nos últimos anos é que o perfil das exportações, seja por categoria de uso dos produtos (bens de consumo, bens de capital e insumos), seja por classe de fator agregado (produtos...



Economia








.