Economia
Primário, primária...
A queda das exportações de bens manufaturados, bem mais expressiva que a observada no caso dos produtos primários, tem gerado frêmitos em setores que temem o retorno do país à condição de exportador de matérias-primas de baixo valor agregado e pouca intensidade tecnológica. Obviamente trata-se de analistas cuja compreensão do conteúdo tecnológico do agronegócio, por exemplo, varia do zero ao nada, mas não é este o assunto que pretendo examinar hoje.
O tema, como costuma ocorrer com alarmante freqüência, é o divórcio entre o que nossos keynesianos de quermesse pensam que sabem e o que revela a dura realidade dos números, só não superado pela diferença entre o que imaginam ser o valor de suas análises e o que estas de fato valem.
A começar porque o tal processo de “primarização” da pauta de exportações é, em vasta medida, uma peça de ficção. Convido os 17 leitores a um exame do gráfico que acompanha este artigo. A mera inspeção das séries já revela que – à parte o período mais agudo da crise internacional, entre o quarto trimestre do ano passado e o segundo trimestre deste ano – a exportação de produtos manufaturados experimentou um processo de crescimento persistente, saindo de US$ 3 bilhões/mês para mais de US$ 8 bilhões/mês entre o começo de 2003 e o terceiro trimestre de 2008, correspondendo a uma expansão média pouco inferior a 20% ao ano.
E, em que pese a queda abrupta observada entre 4T08 e 2T09, é fato que, desde maio deste ano, as exportações de manufaturados retomaram tendência de expansão, superando novamente as exportações de produtos primários, que, diga-se, agora crescem a taxas bem inferiores às observadas no que tange às manufaturas. Notável também que, a despeito da choradeira sobre como a taxa de câmbio abaixo de R$ 2,30 inviabilizaria as exportações de manufaturados, o crescimento insiste em ocorrer sob um câmbio médio bastante inferior a este número mágico.
Não se trata de milagre, mas simplesmente do desempenho das importações norte e latino-americanas. Em 2008 os cinco maiores importadores latino-americanos (Argentina, Chile, Colômbia, México e Venezuela), somados aos EUA, absorveram mais de 54% das exportações brasileiras de manufaturas, fração que caiu a 48% em setembro deste ano.
Esta queda está diretamente associada ao colapso das importações destes países entre 4T08 e 2T09, 35% em ambos os casos. De maio a setembro, contudo, as importações destas economias subiram de 10% (EUA) a 11% (América Latina), valores não muito distintos do crescimento observado da exportação de manufaturas.
Em outras palavras, a menos que alguém se aventure por terrenos esotéricos com uma explicação de como a política cambial brasileira afeta as importações destes parceiros (US$ 1.6 trilhão no caso dos EUA e US$ 397 bilhões no que tange à AL), a conclusão inescapável é que nossas exportações de manufaturas dependem muito mais do desempenho daquelas economias do que da taxa de câmbio. Primária não é a pauta, mas a análise que insiste em teorizar sem olhar os dados básicos sobre o assunto.
Fonte: MDIC (sazonalmente ajustado pelo autor)
(Publicado 25/Nov/2009)
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