Economia
Keynes e os juros.
José Luis Oreiro é professor do Departamento
de Economia da Universidade de Brasília (UnB) e escreveu este artigo
especialmente para o VALOR ECONÔMICO de hoje.
Recentemente o Banco Central (BC) solicitou
às instituições financeiras estimativas a respeito do valor da taxa de juros
neutra para a economia brasileira, ou seja, o valor da taxa real de juros para
o qual a demanda agregada é igual ao produto potencial de forma que a inflação
seja mantida constante ao longo do tempo. Essas estimativas apontam para uma
taxa neutra em torno de 5,5% ao ano, o que significa uma redução de 1,25 ponto
percentual desde novembro de 2010, quando uma consulta indicou a taxa neutra em
torno de 6,75%. A redução observada na taxa neutra seria o resultado de
"mudanças estruturais significativas na economia brasileira", segundo
a ata do Copom, não tendo nenhuma relação com a condução da política monetária.
Uma reflexão um pouco mais aprofundada sobre
quais seriam essas mudanças estruturais significativas, contudo, não aponta
para nenhuma mudança em particular. De fato, a condução da política fiscal
continua basicamente a mesma do segundo mandato do presidente Lula, a poupança
pública não apresentou nenhuma melhoria significativa, o crédito doméstico
continua se expandindo a taxas elevadas, o grau de indexação formal da economia
brasileira ainda é alto e os títulos pós-fixados mantêm uma participação
expressiva na dívida pública. Daqui se segue que não há nenhuma razão concreta
para se acreditar que tenha ocorrido nos últimos anos um aumento da eficácia da
política monetária e/ou uma redução da taxa de juros de "equilíbrio".
Sendo assim, como explicar a mudança nas expectativas do mercado a respeito da
taxa de juros neutra?
Na sua Teoria Geral do Emprego, Keynes criou
o conceito de taxa de juros segura, ou seja, o valor da taxa de juros que o
público acredita que irá prevalecer no longo prazo. A taxa de juros segura nada
mais é do que uma convenção social, ou seja, uma crença compartilhada entre os
agentes econômicos a respeito do valor em torno do qual a taxa de juros flutua
ao longo do tempo. Essa convenção não está baseada em "fatores
objetivos" como pensa a teoria neoclássica. Em particular, a taxa de juros
segura não é equivalente ao conceito de taxa natural de juros dos modelos
Dynamic Stochastic General Equilibrium (DSGE) tão em voga atualmente. A taxa natural
de juros é tida, nesses modelos, como independente da política monetária, sendo
determinada pela produtividade do capital e pelas preferências intertemporais
das famílias.
Do ponto de vista keynesiano, o conceito de
taxa natural de juros é um completo nonsense porque pressupõe a independência
entre o produto potencial e a demanda agregada. Isso porque, em função da
existência generalizada de economias de escala e de equilíbrios múltiplos
gerados a partir de efeitos de histerese no mercado de trabalho, o produto
potencial não é uma variável exógena, mas é dependente da trajetória seguida
pelo produto efetivo (e, portanto, pela demanda agregada) ao longo do tempo.
Voltando à taxa de juros segura, Keynes
afirma na sua Teoria Geral que: "A autoridade monetária controla, com
facilidade, a taxa de juros a curto prazo, não só pelo fato de não ser difícil
criar a convicção de que sua política não mudará sensivelmente em um futuro muito
próximo, como também em virtude de a possível perda ser pequena, quando
comparada com o rendimento corrente (a não ser que este chegue a ponto de ser
quase nulo). Mas a taxa a longo prazo pode mostrar-se mais recalcitrante no
momento em que caia a um nível que, com base na experiência passada e nas
expectativas correntes da política monetária futura, a opinião abalizada
considera "inseguro".
Isso não quer dizer, obviamente, que o Banco
Central não seja capaz de influenciar a taxa de juros de longo prazo. Ele
poderá fazê-lo desde que consiga induzir uma mudança nas expectativas que os
agentes econômicos formulam a respeito da taxa segura de juros. Em outras
palavras, uma redução da taxa de juros de longo prazo envolve necessariamente a
mudança da convenção prevalecente no mercado financeiro sobre o valor da taxa
segura. Se o BC não for capaz de produzir uma mudança nas convenções sobre a
taxa de juros segura, então a redução da taxa de juros de longo prazo
resultante da redução do valor corrente da taxa de juros de curto prazo irá
induzir uma expectativa de elevação da taxa longa no futuro próximo. Em função
disso, as expectativas a respeito dos valores futuros da taxa de juros serão
reajustadas para cima, produzindo o realinhamento do valor corrente da taxa
longa na direção da taxa de juros segura.
Daqui se segue que uma condição fundamental
para que o BC seja capaz de influenciar a taxa de juros de longo prazo é que a
política monetária tenha credibilidade. Credibilidade não significa o
compromisso único e exclusivo da autoridade monetária com uma taxa de inflação
baixa, como entendem os economistas neoclássicos; mas deriva-se do entendimento
por parte dos agentes econômicos de que a política monetária é compatível com o
interesse público, sendo conduzida com convicção por parte de uma autoridade
monetária, que não corra o risco de ser suplantada. Sendo assim, "uma
política monetária que a opinião pública considere experimental em sua natureza
e facilmente sujeita a mudanças pode falhar no seu objetivo de reduzir
consideravelmente a taxa de juros a longo prazo".
Nesse contexto, as convenções prevalecentes a
respeito do valor da taxa de juros segura podem ser alteradas se o público
perceber que a política monetária é conduzida de maneira lógica e firme por
parte do BC. Via de regra, isso exige mudanças moderadas e graduais na taxa de
juros de curto prazo, dando tempo para que o público se acostume com patamares
mais baixos de taxas de juros.
Com base nesse arrazoado, uma explicação
possível para a redução observada das estimativas da taxa neutra é que nos
últimos anos o BC tem sinalizado de forma clara e consistente seu desejo de
reduzir gradualmente o patamar dos juros. Como essa sinalização é vista pelo
mercado como baseada no julgamento técnico da autoridade monetária, e não como
resultado de ingerência política no BC, segue-se que a mesma é vista como
compatível com o interesse público e, portanto, crível. Mantidas essas
condições, o BC poderá obter uma redução ainda maior da taxa de juros se persistir
com sua política gradualista.
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