Ainda o caso Bombardier
Economia

Ainda o caso Bombardier



Um leitor deste blogue, no post que escrevi sobre a Bombardier, deixou o seguinte comentário: «Pena que o senhor deste blogue não "perca" tempo em opinar sobre o caso ESCOM». O leitor não o afirma, mas pareceu-me estar subentendida a insinuação de que eu estaria a privilegiar a denúncia de certos casos (que afectam o actual governo) em detrimento de outros (que afectariam o governo PSD/CDS, por exemplo).

Não é uma observação justa: tem aqui sido feita muita observação crítica à governação PSD/CDS. Acontece que não são conhecidos dados suficientes do caso ESCOM (empresa do Grupo Espírito Santo que, alegadamente, esteve ligada à compra de submarinos durante o consolado de Paulo Portas) para me pronunciar sobre o mesmo. Até mesmo o Ministério da Defesa se tem recusado a divulgar pormenores, como refere o Diário de Notícias do passado dia 13. Não é por este caso envolver o Grupo Espírito Santo, também associado ao caso do abate de sobreiros em Benavente, que vamos aqui "juntar dois mais dois" e iniciar um auto-de-fé. Não é o estilo deste blogue.

O caso Bombardier é diferente: o Governo deu uma conferência de imprensa, parcialmente transmitida em directo pelas televisões no noticiário da hora do almoço, prestando informações detalhadas - e reveladoras de alguma precipitação, difícil de aceitar ao nível governativo.

Eu creio compreender a aflição do governo Sócrates: este caso é muito emblemático, pois foi utilizado por Paulo Portas com grande acutilância propagandística, como exemplo do que era a capacidade para resolver problemas, defendendo o interessa nacional, salvando empregos, etç. (lembram-se do debate televisivo com todos os candidatos ?). Além disso, Sócrates, afirmou recentemente pretender "salvar todas as empresas" que lhe for possível. Ora, é muito desagradável se falha logo com a primeira e de maior visibilidade...

Falando em visibilidade, deve dizer-se que existe aqui uma assimetria reveladora dos desequilíbrios existentes na sociedade portuguesa, onde o "homem" vale mais que a "mulher": quase diariamente são revelados casos de encerramento de empresas têxteis, com mão-de-obra maioritariamente feminina; estes casos não entusiasmam nem jornalistas nem políticos no sentido de tentar "salvar as empresas": apenas compaixão ("prestações da casa por pagar", etç).

Já com a "classe operária" da Sorefame/Bombardier, o caso é diferente: começa por ser uma coisa de "homens", ainda com ecos revolucionários da "cintura industrial de Lisboa"; o discurso heróico da "capacidade tecnológica" e da tradição industrial que se vai perder, etç, convence jornalistas e políticos de que este é um caso "diferente". Nos têxteis dizem que é um problema da globalização; na Bombardier acreditam que é uma "maldade" da multinacional: ecos das teorias conspirativas do período revolucionário.

E, de facto, o que estamos aqui a ver é apenas um eco do Verão Quente (1975) em que a "cintura industrial de Lisboa" tinha uma capacidade reinvindicativa extraordinária, deixando na sombra o resto do país trabalhador. Só que, confirmando o aforismo de Marx, se na altura parecia uma tragédia, agora parece uma farsa.

Ainda em comentário ao meu post, diz o leitor que "Em relação à Bombardier, a SOREFAME foi vendida a um preço simbólico. Se se pretende edificar aquela zona, e/ou retirar mais-valias brutais fruto de especulação, a expropriação é o caminho".

Caro leitor: há na sua frase muitos "ses". Eu recorro a outro: se somos um estado de direito, temos de atender à lei. A Bombardier pode ou não, legalmente, desactivar (parcial ou totalmente) a fábrica ? O cumprimento da lei é muito importante para o investimento estrangeiro. Se oferecemos condições especiais para atrair o investimento e depois não damos provas de cumprir a lei, podemos fazer muito mal ao país, muito mais do que podemos ganhar no braço-de-ferro com a Bombardier.

Questão secundária: o estatuto da "expropriação por utilidade pública" pode ser usado para este fim ? E qual é o fim, exactamente: fazer ali uma fábrica de combóios ? Ou a motivação está, antes, em forçar a Bombardier a aceitar o acordo com a CP ? E a lei pode ou deve ser usada para isso?



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