Ricardo Lacerda
A cotação do dólar comercial fechou o mês de fevereiro em 2,86 reais. O dólar turismo para venda rompeu a casa de 3 reais.
A moeda norte-americana valorizou-se nos últimos dois anos em relação à maioria das principais moedas, refletindo não apenas o desempenho relativamente mais favorável da economia dos EUA em relação aos seus parceiros comerciais, afinal os EUA ensaiam uma retomada importante enquanto outras economias avançadas e grandes economias emergentes desaceleram o crescimento, quanto pela expectativa da redução dos estímulos monetários e seus efeitos em termos de elevação das taxas de juros dos títulos do tesouro norte-americano.
Enredados em processos de recessão, desaceleração ou crescimento débil, muitos países desvalorizam suas moedas com o intuito de ampliar suas exportações, inaugurando uma nova rodada de guerra cambial.
Em relação a fevereiro de 2014, a cotação da moeda norte-americana subiu em doze meses 23% frente ao real e a elevação atinge 45% quando se compara a fevereiro de 2013, muito acima da inflação interna nesses períodos ou da elevação média dos rendimentos das pessoas e famílias. Ficou mais caro viajar para o exterior e adquirir produtos importados. O impacto nos indices internos de inflação já se faz sentir, mesmo com a cautela com que os importadores repassam os aumentos para os produtos no mercado interno diante do poder de compra estagnado.
Salário e câmbio
Salário e câmbio são dois dos preços mais importantes para definir a competitividade de um país. São cruciais para definir se os bens (e serviços) transacionáveis entre as nações se tornam mais caros ou mais baratos no mercado doméstico e no mercado internacional. O terceiro fator determinante na competitividade de um país é a evolução da produtividade frente ao comportamento dessa variável entre seus principais parceiros comerciais e o quarto fator é a capacidade de inovação e de colocar produtos novos e com elevadas elasticidades de demanda e margens de lucro amplas no mercado internacional. Há ainda um quinto fator, quando há um crescimento intenso da demanda internacional por bens produzidos em atividades intensivas em recursos naturais nas quais aquele país seja fortemente vantajoso.
Uma diferença fundamental entre eles é que os dois primeiros fatores, salário e câmbio, propiciam incremento da competitividade à medida em que se rebaixa o poder de compra de sua população na moeda externa, enquanto os outros três fatores, incremento da produtividade física, capacidade de inovação e intensificação da demanda por produtos inelásticos no curto prazo, elevam a competitividade aumentando o poder de compra em moeda externa da população do país em questão.
Desse ponto de vista, não resta qualquer dúvida que o incremento de competitividade do segundo tipo é o objetivo de qualquer nação nas suas relações econômicas externas.
Mas há outra diferença fundamental entre os fatores. Se as variações de salários e câmbio têm impacto de curto prazo, quase imediato, sobre a competitividade de um país, os incrementos da produtividade física e da capacidade de inovação requerem no mínimo melhorias incrementais e muitas vezes mudanças estruturais, que são custosas em termos de tempo e de recursos. O quinto fator independe de determinantes internos.
Desvalorização do real
A desvalorização do real em relação ao dólar se iniciou em julho de 2011, quando a cotação da moeda norte-americana atingiu 1,56 reais, depois de um longo período de apreciação iniciado ainda em maio de 2004, mês em que a cotação do dólar comercial alcançou 3,13 reais (ver Gráfico).
Se a apreciação do real a partir de maio de 2004 decorreu em parte de ganhos de competitividade da economia brasileira decorrentes da intensificação da demanda internacional por alimentos e recursos minerais produzidos pelo Brasil e de ganhos de produtividade nessas atividades, de outra parte ela foi causada pela forte entrada de capitais no país atraídos pelas oportunidades de investimentos e pelo retorno elevado das aplicações financeiras.
Assim, a apreciação do real na maior parte desse período foi muito além do que a melhoria de sua inserção externa propiciaria e provocou uma elevação do poder de compra da população em moeda externa muito superior a que aqueles cinco fatores que definem a competitividade permitiriam. É nesse sentido que se pode afirmar que se praticou populismo cambial, o que se tornou ainda mais prejudicial ao país depois que foi deflagrada a crise financeira internacional no final de 2008.
Esse populismo cambial significa que o preço de bens e serviços adquiridos no exterior, inclusive nas viagens internacionais, por famílias residentes e empresas localizadas no país, foi fortemente subsidiado à custa da perda de competitividade da economia brasileira.
A depreciação do real frente ao dólar desde julho de 2011 é o principal sintoma de que o subsídio à aquisição de produtos e serviços no exterior chegou ao limite. No curto prazo, a apreciação do dólar e a consequente perda do poder de compra naquela moeda é a resposta possível diante da perda de competitividade acumulada por longos anos e que certamente terá efeitos importantes em termos de recuperar a competitividade em vários setores. Ela deve ser acentuada e prolongada no tempo para que a competitividade se coloque em patamar sustentável, enquanto as medidas de longo prazo, muito mais difíceis de serem implementadas, possam ser encaminhadas.
Fonte: Banco Central do Brasil
Publicado no Jornal da Cidade, em 01 de março de 2015
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