Ricardo Lacerda
A década de noventa marca uma importante transição no país em direção a uma economia mais aberta e com menor presença do estado. Não seria injusto ou equivocado chamá-la de a década liberal. Foi o período de desconstrução do ideário desenvolvimentista que havia embalado as políticas de estado desde os anos cinqüenta.
Na linguagem dos anos noventa, tratava-se de transitar para uma economia mais receptiva aos impulsos de mercado, adotando medidas favoráveis ao seu bom funcionamento (market friendly ) e enterrar a herança Vargas. Não sairá da memória dos brasileiros o ataque sistemático às empresas estatais, muito particularmente à Petrobras, a que os ideólogos da época se referiam como Petrossauro, para enfatizar a sua inadequação aos novos tempos.
A abertura comercial foi um importante ato do enredo econômico que se desenrolava e que se estendia a muitos outros, como a desregulamentação das atividades, a adoção de um amplo programa de privatização, retirada de restrições a atuação do capital externo e aos fluxos internacionais.
Nova agenda
Para o bem ou para o mal, entraram na ordem do dia temas como abertura comercial, reestruturação produtiva, globalização, reengenharia, downsizing, empreendedorismo e competitividade, que tinham em comum sinalizarem para uma nova era, de menor presença direta do estado na economia e de maior participação do capital externo. Marcam a década a internacionalização da economia e a forte desnacionalização dos principais setores produtivos, não apenas nas atividades industriais, com a expansão no mercado interno de redes internacionais de comércio e de serviços, provocando intensa modernização e atualização dos padrões de consumo aos níveis dos países centrais. Desnecessário dizer que tais transformações respondiam a uma agenda mundial para os países em desenvolvimento que, progressivamente, se disseminou em cada um dos países da America Latina.
Em diversos sentidos, a transição no modo de regulação da economia nos anos noventa provocou um choque nas estruturas produtivas internas, submetidas ao impacto da competição com os produtos importados diante da baixa abrupta das tarifas de importação, acompanhada, a partir da implantação do plano Real, de intensa valorização cambial. Para o Nordeste, e muito especialmente para Sergipe, mais dependente dos investimentos públicos e das empresas estatais para modernizar sua economia, a transição resultou em sustação de novos investimentos estruturantes na indústria de bens intermediários que vinha sendo implementada na região e a desaceleração acentuada no crescimento econômico.
Sergipe
São anos difíceis para Sergipe, que sonhava com a implantação de um pólo cloroquímico para potencializar a exploração dos seus recursos naturais. Depois de receber na década anterior empreendimentos de grande porte que mudaram desde então a estrutura industrial do estado, incluindo a implantação da Nitrofértil, da Unidade de Produção de Gás Natural (UPGN) e da Usina Taquari-Vassouras de produção de potássio, e um volume expressivo de investimentos na modernização do seu parque têxtil, a economia sergipana passa quase toda a década de noventa sem novos investimentos industriais expressivos. Poucos são os investimentos de porte no período, como a cervejaria da Brahma (hoje, Ambev) no município de Estância.
Com a sustação de investimentos pelas empresas estatais e o declínio do programa de industrialização da SUDENE, a expansão da atividade industrial de Sergipe, a exemplo dos demais estados da região Nordeste, ficou na dependência da atração de empreendimentos por meio dos incentivos estaduais, no âmbito da chamada Guerra Fiscal entre os estados. O perfil produtivo dos estados nordestinos vai se alterando, à medida que novos investimentos de base nos setores de bens intermediários voltados para substituição de produtos importados declinam até desaparecerem, enquanto os investimentos voltados para o mercado de consumo, tanto na indústria quanto no comércio e serviços, ganham espaço rapidamente.
Estrutura
A comparação da composição do Valor Adicionado Bruto (VAB) de 1990 e 2000 sintetiza a mudança na estrutura produtiva do estado, em que as atividades de serviço, capitaneadas pelos serviços públicos e pelas obrigações previdenciárias ganham peso, enquanto a indústria de transformação perde importância em ritmo acentuado (ver Tabela).
O setor industrial que respondia por 44,4% da riqueza produzida em Sergipe, em 1990, vê sua participação reduzida para 37,3% no ano de 2000, e a indústria de transformação reduz de 23,8% para 18,7% a sua participação, todos os dados da série das contas regionais do IBGE com ano ano-base em 1985.
Tabela. Sergipe. Participação das Atividades Econômicas no Valor Adicionado Bruto a Preço Básico 1990- 2000 (%) |
Atividade | 1990 | 2000 |
Agropecuária | 10,7 | 7,6 |
Setor Industrial | 44,4 | 37,3 |
Indústria extrativa mineral | 9,0 | 10,5 |
Indústria de transformação | 23,8 | 18,7 |
Eletricidade, gás e água | 1,4 | 1,3 |
Construção | 10,3 | 6,8 |
Setor Serviços | 44,7 | 54,8 |
Total | 100 | 100 |
Fonte: IBGE- Contas regionais. Ano base 1985
Como será visto em artigos subseqüentes, os novos investimentos da década de noventa na economia sergipana terão perfis diferentes daqueles que transformaram sua estrutura produtiva nos anos setenta e oitenta. São, em geral, investimentos de menor porte, em setores diversificados, atraídos pelos incentivos locais e pela disponibilidade de mão-de-obra a custos mais baixo do que nos estados situados nas regiões mais ricas do país.
Publicado no Jornal da Cidade em 19/01/2013
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