A César o que é de César
Economia

A César o que é de César



Depois de meses em negação, atribuindo o aumento da inflação a um mal definido “choque internacional de oferta” (que teve o mau gosto de afetar apenas o Brasil, poupando países como Chile, Peru, ou Colômbia), o Banco Central parece ter finalmente acordado para o problema. Se não ainda para lidar com ele, ao menos para buscar novas desculpas sobre como – depois de reiteradas juras acerca da convergência da inflação à sua meta – esta teima em acelerar.

Agora é a depreciação da moeda no ano passado que tem sido repetidamente citada por fontes governamentais entre as explicações para a alta inflacionária, tomando o lugar antes reservado ao infame “choque internacional de oferta”.

Para ser sincero, sim, é claro que um real mais fraco (ou, de forma equivalente, um dólar mais caro) se reflete na inflação. Há bens que podem ser importados e exportados sem grandes custos; assim, seus preços costumam seguir os preços internacionais de produtos similares, convertidos em moeda nacional pela taxa de câmbio. Neste sentido, não há dúvida que a desvalorização da moeda tem efeito sobre os preços destes bens e, portanto, se traduz em inflação mais alta.

Ainda que possamos concordar acerca do efeito inflacionário da depreciação, não é possível aceitá-la como desculpa para o lamentável desempenho do BC no que diz respeito a seu mandato de estabilidade de preços por um simples motivo: porque foi ele quem engendrou a fraqueza do real à que hoje atribui a culpa pela inflação mais alta.

Uma simples vista d’olhos nas suas ações, na gestão da política monetária, na intervenção no mercado de câmbio, ou por meio de medidas regulatórias, mostra, além de qualquer dúvida razoável, que o BC buscou, de forma consciente, produzir um encarecimento do dólar.

Mesmo em face de uma elevação de preços internacionais das commodities, que, em condições normais, produziria – como o fez em outras economias da região – uma moeda mais forte, o BC tomou medidas em várias frentes para manter o dólar acima de R$ 2,00.

Não é sequer necessário ler as intenções do BC nas entrelinhas de suas ações, pois em mais de uma ocasião integrantes da diretoria do órgão vieram a público afirmar seu compromisso com uma taxa de câmbio acima daquele valor, assim como assegurar que agiriam para que “o Brasil não seja uma praça de desvalorização de outras moedas”.

Obviamente esta postura gerou um impacto sobre a inflação muito maior do que no caso dos países que deixaram suas moedas se fortalecer em resposta aos preços mais altos das commodities.

Posto de outra forma, se houve efeito da desvalorização cambial sobre a inflação no Brasil (e tudo indica que sim), ele também tem que ser debitado na conta da autoridade monetária, que, ao final da história, estimulou precisamente aquele movimento, pelo menos até perceber tardiamente que sua política era inconsistente com a prometida convergência da inflação à meta. O BC colhe agora aquilo que plantou e só hipocrisia pode justificar manifestar qualquer surpresa a respeito.

Hoje, porém, o problema adquiriu outra dimensão. Não se trata mais de fazer a inflação recuar para a vizinhança de 4,5%, mas sim de evitar que rompa o limite superior de tolerância (6,5%). Ainda creio se tratar de uma possibilidade remota este ano em face da intervenção pontual sobre alguns preços, assim como a possibilidade de moderar pressões no curto prazo pelo uso mais ativo das desonerações tributárias.

Estes artifícios, porém, têm vida curta, como exaustivamente demonstrado pela experiência histórica. A verdade é que as várias inconsistências da política econômica estão cobrando seu preço na forma de tensões inflacionárias crescentemente difíceis de esconder. Se o BC quer lidar com o problema, deveria começar assumindo sua responsabilidade na criação da desordem que ele próprio ajudou a fomentar.


Quem assina a moeda se responsabiliza por ela

(Publicado 27/Fev/2013)



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