Economia
À boleia da crise (I)
Segundo algumas estruturas sindicais, há um número crescente de empresas que está a aproveitar a actual conjuntura para proceder a drásticos cortes do seu número de trabalhadores, para entrar em processos de suspensão dos contratos de trabalho pretensamente ilegais, quando não a acelerar a sua própria declaração de falência.
A esta luz, a conjuntura depressiva estará a criar o clima social propício a estas decisões, de forma a reduzir a sua polémica e contestação pública. É a vida, diriam alguns…
Na óptica de tais responsáveis, impunha-se, pois, que os organismos públicos desenvolvessem uma fiscalização mais apertada de todo este tipo de situações, desde as Finanças à Segurança Social, passando obviamente pela Autoridade Nacional para as Condições de Trabalho.
Mais, depreende-se, seria necessário que perante situações efectivamente ilegais ou fraudulentas houvesse uma actuação célere e eficaz, capaz de desincentivar outros empresários de adoptar tão criticáveis práticas.
Curiosamente, a propósito do despedimento de cerca de duas centenas de trabalhadores do Grupo Amorim que ocorrera nesse dia, tive recentemente um interessante debate no programa “O Dia em Análise” do Porto Canal, com o filósofo Pedro Baptista, do Partido Socialista.
De acordo com este ex-Deputado, é completamente inadmissível que uma empresa como a Amorim possa proceder ao despedimento de trabalhadores, atendendo à dimensão e sucesso reconhecido ao Grupo e à diversidade de sectores de actividade que abrange, nos quais poderia seguramente reconverter os trabalhadores agora despedidos.
Ainda segundo o meu colega ocasional de debate, poderia estar em causa uma ilegítima tentativa de obter ganhos adicionais de rentabilidade, à custa de tais postos de trabalho, enquadrando também essa situação na linha das múltiplas falências fraudulentas que ocorrem e da apropriação e uso indevido de fundos comunitários por parte de muitas empresas.
Já esta semana, também o Coordenador da Comissão Política do Bloco de Esquerda, Francisco Louçã, aproveitou o discurso de abertura da VI Convenção deste partido para defender “a proibição de despedimentos em empresas que obtenham lucros e a proibição de que as empresas que recebem apoios do Estado distribuam lucros pelos seus accionistas”.
Na ocasião, Louça voltou a recuperar o exemplo do Grupo Amorim, criticando atitudes de empresários “que tiveram dez milhões de euros de lucro e pretendem despedir 193 trabalhadores”. O líder do Bloco considerou que o país faria "melhor em despedir estes patrões" e defendeu que "o capital nada faz, é o trabalho que faz", acrescentando: "Tiveram resultados? Tiveram lucros? Foi o trabalho. É tempo de devolverem."
Por mais que partilhe a óbvia preocupação pelas consequências de tais decisões e entenda que todos os organismos públicos devem desenvolver todas as iniciativas ao seu alcance para minorarem o impacto destas situações e reforçarem a empregabilidade no mais curto espaço de tempo possível, discordo totalmente desta linha de raciocínio quanto ao juízo sobre a actuação dos privados.
Em primeiro lugar, porque considero inaceitável que se proceda a generalizações fáceis e demagógicas. Os empresários não são todos uma espécie de monstros insensíveis e usurpadores dos direitos dos trabalhadores, em prejuízo das comunidades em que se encontram inseridos.
Em segundo lugar, porque acredito plenamente que a tomada deste tipo de decisões por parte daquela que considero ser a esmagadora maioria de empresários sérios e responsáveis nunca é tomada de ânimo leve e tem como objectivo último a salvaguarda dos projectos/empresas e, logo, a protecção de um sem número de postos de trabalho que se mantêm no presente e se poderão criar no futuro. Até porque, convém frisá-lo, a legislação laboral em vigor pressupõe fortes factores de desincentivo do despedimento de trabalhadores, por força dos encargos que a empresa deve suportar com tal decisão.
Em terceiro lugar, porque compreendo que na actual conjuntura seja totalmente inviável manter certos níveis de produção, totalmente desproporcionados face à carteira de encomendas das empresas, sendo necessário proceder a ajustamentos em baixa da capacidade produtiva instalada, nomeadamente através da redução dos custos variáveis.
Finalmente, porque entendo o vínculo laboral como um regime contratual em que se estabelece o nível de remuneração do serviço prestado (o qual pode e deve pressupor a partilha dos lucros gerados pela empresa), tal como a distribuição de lucros remunera o risco assumido pelos investidores, mas que não impõe responsabilidades perenes aos empresários sobre os trabalhadores ao seu serviço. Seria mesmo absurdo supor que um empresário tivesse que custear os encargos de um posto de trabalho improdutivo, numa clara substituição das responsabilidades públicas por agentes privados.
Ainda assim, tal como não duvido que haverá inúmeros empresários que protelam a tomada de tais decisões para lá do que seria economicamente racional, não rejeito que haverá também muitos que tentam obter ganhos adicionais “à boleia da crise”.
Para estes últimos, seria de facto legítimo exigir que se alargassem os mecanismos de fiscalização e punição de atitudes claramente inaceitáveis.
Mas, curiosamente, nenhuma das medidas do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social de apoio à manutenção do emprego recentemente anunciadas cabe nesta esfera de actuação.
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