Economia
A Ásia do sucesso à crise de 1997.
Luiz
Gonzaga Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda
é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp.Em 2001 foi incluído
entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século XX no Biographical
Dictionary of Dissenting Economists. Hoje, no VALOR ECONÔMICO.
Leio
na imprensa brasileira artigos instigantes, alguns severamente críticos, a
respeito de politicas industriais, de comércio exterior e de competitividade,
sobretudo as que envolvem a promoção de "campeões nacionais". Os
alvos das críticas são as medidas brasileiras de proteção à industria nacional
e de estímulo à restruturação empresarial.
Entendi
conveniente recorrer a um artigo que escrevi para a revista Praga em maio de
1998. Dizia então, que, ao investigar a razões do desenvolvimento asiático,
os autores mais inclinados à análise histórica e institucional concentraram sua
atenção nas seguintes questões: 1) a natureza e relevância das políticas
industriais (e de constituição de grandes grupos nacionais), sempre amparadas
no direcionamento do crédito e nas taxas de câmbio reais
"competitivas"; 2) a importância dos acordos implícitos e das
relações de "cooperação" e "reciprocidade" entre o Estado e
grupos privados; 3) o papel da estabilidade macroeconômica, sempre buscada
mediante a prudente gestão monetária e fiscal, característica dos países da
região; 4) a forma da inserção internacional.
Os
estudos cuidaram de sublinhar as relações peculiares entre os Estados
nacionais, os sistemas empresariais e a "inserção internacional".
Procuraram chamar a atenção para a especificidade da "organização
capitalista" em que prevaleceram: 1) nexos "cooperativos" e de
reciprocidade nas relações capital-trabalho; 2) negociações entre os grandes
conglomerados e seus fornecedores; 3) íntima articulação entre os bancos e a
grande empresa nacional e 4) "administração estratégica" do comércio
exterior e do investimento estrangeiro.
Na
visão dessa corrente teórica, tal arquitetura institucional não só assegurou
excepcionais taxas de investimento e de acumulação de capital, como também
ensejou programas de "graduação" tecnológica. Esse arranjo garantiu,
assim, expressivos ganhos de produtividade e, consequentemente, consolidou a
posição competitiva dos grandes grupos nacionais (sim, os "campeões",
senhoras e senhores) diante dos rivais e concorrentes no mercado internacional.
A
partir das reformas do final dos anos 70 do século passado, a China irrompeu no
cenário asiático com uma receita um tanto modificada. O novo protagonista
apoiou-se na combinação entre uma novidade, ou seja, a atração de investimentos
diretos estrangeiros e, uma tradição, isto é, a forte intervenção do Estado na
finança e no comércio exterior, com o propósito de sustentar uma agressiva
estratégia exportadora e de crescimento acelerado. A ação estatal cuidou,
ademais, dos investimentos em infraestrutura e utilizou as empresas públicas
como plataformas destinadas a apoiar a constituição de grandes conglomerados
industriais preparados para a batalha da concorrência global.
Não
é difícil perceber que as estratégias chinesas de expansão acelerada, impulso
exportador, rápida incorporação do progresso técnico e forte coordenação do
Estado, foram inspiradas no sucesso anterior de seus vizinhos, sócios e
competidores.
Os
sistemas financeiros que ajudaram a erguer os países asiáticos eram
relativamente "primitivos" e especializados no abastecimento de
crédito subsidiado e barato às empresas e aos setores "escolhidos"
como prioritários pelas políticas industriais. O circuito virtuoso ia do
financiamento para o investimento, do investimento para a produtividade, da
produtividade para as exportações, daí para os lucros e dos lucros para a
liquidação da dívida.
Nos
final dos anos 80, intensificaram-se as pressões externas para a liberalização
cambial e financeira, o que levou às concessões que deflagraram a crise de
1997/1998. À exceção da China, os asiáticos, particularmente Coreia e
Tailândia, aceitaram os termos da "desopressão" financeira: 1) a
eliminação dos controles cambiais, ampliando a possibilidade dos agentes
domésticos realizarem transações em moeda estrangeira que não decorriam de
operações em conta corrente; 2) a liberação das taxas de juros, com restrição
progressiva dos créditos dirigidos e subsidiados e 3) a desregulamentação
bancária, ensejando que os bancos locais pudessem ampliar as atividades para
além do financiamento das empresas produtivas.
A
internacionalização financeira, em vez da maior eficiência na alocação de
recursos, levou, isto sim, à valorização cambial, à especulação com ativos
reais e financeiros, à aquisição de empresas já existentes, ao
sobreendividamento e, finalmente, à parada súbita e à fuga de capitais.
Depois
da queda, os governos dos países asiáticos retomaram, em boa medida, o controle
das políticas estratégicas. O governo coreano, por exemplo,
resistiu às pressões estrangeiras para vender ou desmanchar os grandes
conglomerados. Para justificar suas exigências os sabichões da mídia e do
establishment americano falavam, então, de "crony capitalism",
capitalismo de compadres. A expressão foi, mais tarde, tomada de empréstimo
pelos críticos para caracterizar as relações incestuosas entre a política e a
Grande Finança nos Estados Unidos. Um dos raros empréstimos seguros na farra do
subprime.
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