Economia
Desenvolvimento Comparado América Latina e Ásia
No início dos anos 1990, em meio à estagnação econômica e ao descontrole inflacionário, os países da América Latina aderiram decididamente às propostas emitidas pelo Consenso de Washington. A volta do crédito externo, suspenso desde 1982, permitiu-lhes recompor suas reservas e implementar políticas de estabilização, ao mesmo tempo em que realizavam as chamadas reformas estruturais.
Os momentos dessas reformas são conhecidos: redução de tarifas protecionistas e liberalização do comércio externo; liberalização financeira, incluindo as contas de capital externas; privatização de empresas estatais; reformas visando a flexibilização das relações de trabalho e reformas dos sistemas públicos de previdência.
Apesar do relativo sucesso na estabilização inflacionária, o padrão da política econômica, juntamente com os resultados das reformas, ao contrário do que prometia, não criou condições favoráveis ao crescimento. Em seus passos iniciais, ao utilizar-se de âncora cambial, provocou a valorização das moedas nacionais, reduzindo assim a competitividade dos setores exportadores e elevando os coeficientes de importação. A penetração de produtos importados eliminou elos das cadeias produtivas e, em geral, provocou não somente a redução da participação da manufatura no produto interno, mas também do emprego na indústria, que em geral apresentava melhores salários e maior grau de formalização.
A valorização cambial e a abertura comercial promoviam déficits comerciais e aumento da dívida externa para financiá-los. O aumento do endividamento e os claros sinais da insustentabilidade da taxa de câmbio, num regime de liberdade de movimentos de capitais, muitas vezes precipitaram fugas abruptas de capitais e crises cambiais.
Em fins dos anos 1990, vários países são levados a adotar o regime de câmbio flutuante, o que também tem se mostrado desfavorável ao crescimento econômico. Em fases de liquidez internacional ou favoráveis às exportações, câmbio tende a valorizar-se, reduzindo a competitividade das exportações. Por outro lado, a instabilidade da taxa de câmbio constitui um sério entrave ao cálculo empresarial de médio e longo prazos, desestimulando projetos de investimento de maior tempo de maturação.
Como componente do projeto de liberalização comercial e financeira, manifesta-se a passividade do Estado quanto aos rumos estruturais da economia. Ele perde a capacidade de articular projetos de investimentos estratégicos que anteriormente eram realizados pelas empresas estatais, projetos que em geral se caracterizavam por investimentos realizados à frente da demanda corrente da economia, impulsionando o crescimento e sinalizando favoravelmente para os investimentos privados. Por outro lado, condena-se qualquer política discricionária do Estado — proteção, subsídio ou estímulo a setores estratégicos —, ou seja, as políticas industriais são abandonadas, pois contrárias ao livre funcionamento dos mercados.
A capacidade desigual dos países na feroz concorrência internacional, num regime liberal como o da América Latina, tende a cristalizar a especialização regressiva na inserção internacional da região. Ou seja, a região tende a concentrar suas exportações em produtos intensivos em recursos naturais e a importar produtos de maior conteúdo tecnológico.
Em anos recentes, a elevação das exportações e dos preços das commodities no mercado mundial tem afastado temporariamente as restrições externas características das economias latino-americanas, e mesmo propiciado um certo crescimento econômico. Assim, a economia latino-americana parece assumir a dinâmica típica da região no período anterior a 1930. Entretanto, é clara a insustentabilidade e a fragilidade desse crescimento fundado em exportações de commodities, cujos preços já dão sinais de reversão.
Assim, na região, somente o Chile tem mostrado um crescimento mais vigoroso. Não por acaso, o país manteve, até o final dos anos 1990, uma série de restrições à livre movimentação de capitais, reteve também em mãos do Estado grande parte da produção de cobre, metal atualmente estratégico, e ainda utilizou mecanismos de retenção de dólares no exterior em fases de crescimento das exportações para evitar a valorização do câmbio.
No caso do Brasil, o quadro desfavorável ao crescimento é agravado por certas particularidades. O câmbio fixo e valorizado após a estabilização de 1994 resultava em grandes déficits externos. A atração de capitais para financiá-los exigia altos patamares de taxas de juros internos, o que levou à brutal expansão da dívida pública interna, em grande parte renovada a curto prazo. Realimentou- se, assim, uma poderosa coalizão rentista no país, que exige altíssimas taxas de remuneração e a manutenção de enormes superávits fiscais, sob a ameaça da fuga de capitais para o exterior, permitida pela sua liberdade de movimento. Mesmo com a posterior adoção do câmbio flutuante e o temporário alívio das restrições externas, apesar do câmbio valorizado novamente, permanecem altas as taxas de juros, sob o argumento dos riscos apresentados pelas aplicações em títulos públicos. As altas taxas de juros e o câmbio valorizado inibem os investimentos privados, e os enormes superávits fiscais bloqueiam os investimentos em infra-estrutura.
Em síntese, os países latino-americanos, a partir dos anos 1990, assumem um padrão caracterizado por fases de estagnação alternadas com curtos períodos de crescimento, que logo são revertidos. A região, que já sofrera uma década perdida, que anteriormente já se caracterizava pela profunda desigualdade social, pela pobreza das grandes massas, pelo mercado de trabalho heterogêneo e excludente, assiste agora ao agravamento da questão social. Não por acaso, em vários países, crescentes forças sociais assumem uma posição cada vez mais radical contra a ordem vigente, embora, aparentemente, esses movimentos ainda não tenham logrado definir os contornos de um projeto alternativo.
Na Ásia, a China aparece como o caso mais relevante para confrontar com a América Latina. Suas reformas pós-1978 resultaram de um longo processo de lutas internas e sua orientação dificilmente se confunde com as reformas latino- americanas e dos países do Leste Europeu. A política de abertura da China para o mundo inicia-se pela diplomacia a partir dos anos 1960, e após 1978 as reformas começam pelo campo. A pequena produção parcelar camponesa é restaurada, abandonando-se a coletivização, ao mesmo tempo em que se concede uma crescente liberdade para que os agricultores vendam sua produção diretamente ao mercado (MEDEIROS, 1999).
As empresas estatais chinesas, que haviam avançado principalmente na implantação da indústria pesada no país no período anterior, não passaram por um processo de privatização generalizado. As reformas das estatais encaminharam-se no sentido de dar maior autonomia a seus dirigentes e passaram também a ter que se apropriar de custos e a apresentar resultados. Promove-se, assim, uma separação entre os orçamentos estatais e os das empresas. Adota-se também a política de abandonar empresas pequenas, que eram assumidas por unidades subnacionais de governo ou mesmo privatizadas. As grandes são retidas pelo Estado, que promove um processo de conglomeração que, apesar de reduzir o número de empresas estatais, tende a criar grandes conglomerados, capazes de, no futuro, concorrer com empresas multinacionais originárias de países desenvolvidos no mercado mundial. Ou seja, a China visa criar conglomerados estatais que assumam um papel estratégico, e o Estado utiliza as estatais para estabelecer associações (joint ventures) com empresas estrangeiras, em geral mantendo o controle chinês sobre esses empreendimentos.
Após as reformas, multiplicaram-se e expandiram-se as TVEs (towns and villages enterprises), que são empresas de propriedade coletiva sob o comando de unidades subnacionais de governo, ou seja, cidades, comunas camponesas e dis- tritos. Muitas dessas empresas foram criadas no tempo do maoismo, mas após 1978 passaram também a ter direito de vender seus produtos diretamente no mercado, ou assumiram o papel de fornecedoras das empresas estatais.
Finalmente, a China criou as ZEEs (zonas econômicas especiais), destinadas a aumentar as exportações do país. Para tanto, elas gozam de liberdade para importar insumos e componentes e realizar operações de câmbio. Essas zonas buscam atrair investimentos estrangeiros e, de início, foram bem-sucedidas na captação de investimentos de Hong Kong e Taiwan. Posteriormente, empresas multinacionais de outros países passaram a investir pesadamente. Os investimentos estrangeiros, no início limitados às ZEE, posteriormente foram autorizados em outras regiões do país.
A política de atração de investimentos estrangeiros na China segue uma estratégia clara. O governo negocia caso a caso as propostas e, em geral, exige a associação com empresas chinesas, com o comando destas últimas. Por outro lado, o peso dos investimentos estrangeiros na formação bruta de capital no país é baixo, indicando que não se tem por objetivo atrair poupanças externas, mas a transferência de tecnologia, que passa a ser dominada por engenheiros e técnicos chineses.Este apanhado das reformas permite a afirmação de que a economia chinesa, anteriormente regulada por comando centralizado, na era pós-reforma transitou para um padrão em que os mercados assumem um importante papel regulador. Mas isso não significa que tenha sido instaurada uma ordem liberal.
O sistema bancário permanece estatal, e seus clientes preferenciais são as empresas estatais. O governo mantém, assim, sob o seu comando decisivo, um mecanismo regulador dos investimentos, por meio do controle de crédito, que pode ser utilizado discricionariamente, favorecendo setores estratégicos e apoiando políticas industriais. A política monetária expansiva, com baixas taxas de juros, potencia o crescimento econômico.
Também na Índia o afrouxamento da política de licenciamento estatal para novos investimentos privados abriu espaço para a expansão das empresas, mas o país não abandonou as empresas estatais (VELASCO, 2005). Cerca de 80% das operações bancárias ainda permanecem em bancos estatais. E o país caracteriza-se, desde os anos 1980, pelo uso intensivo de déficits fiscais como mecanismo de dinamização da economia. Finalmente, a Índia, assim como a China, não liberalizou as contas externas de capital, controlando as operações cambiais e, dessa forma, estabilizando as taxas de câmbio.
Não por acaso, na crise asiática de 1967, a economia indiana e, particularmente, a chinesa não foram muito afetadas (sofreram abalos limitados). E vários países da região logo superaram a crise e têm mantido um certo padrão de política favorável ao crescimento (SINGH, 1995). Eles tratam de manter a taxa de câmbio estável, com as moedas nacionais desvalorizadas para favorecer as exportações, praticam políticas monetárias expansivas e políticas industriais. Em contraste com a América Latina, a Ásia atualmente constitui um pólo mundial de crescimento. Sob a liderança da China, que vai assumindo o papel de principal parceiro comercial de vários países da região, apresenta um notável dinamismo, que, entretanto, depende em última instância das importações dos Estados Unidos e da União Européia.
Certos autores tendem a estabelecer diferenças entre os projetos de desenvolvimento da América Latina e da Ásia. Em seu período de desen- volvimento, a América Latina teria praticado uma política de substituição de importações (SI), enquanto Japão, Taiwan, Coréia do Sul e atualmente a China teriam assumido um projeto de crescimento liderado pelas exportações (“export led growth”).
Essa caracterização do padrão asiático como “export led growth” tem sido criticada (RODRIK, 1999, cap. 3). Na verdade, esses países se caracterizam por altas taxas de acumulação de capital (a formação bruta de capital em relação ao PIB atingia 30% na Coréia, em sua fase de expansão acelerada, e 40% na China), indicando que o investimento constitui o motor do crescimento.
O padrão asiático caracteriza-se também pelas políticas de exportação de manufaturados, enquanto a América Latina, em sua fase de substituição de importações, padeceria de um certo “pessimismo exportador” que a levaria à especialização em produtos primários. Entretanto, a exportação de manufaturados para Taiwan, Coréia ou China apresenta-se como condição essencial para o desenvolvimento, dada a relativa escassez de recursos naturais diante da alta densidade demográfica da região, o que limita as exportações de produtos primários (COUTINHO, 1999). E mesmo o “pessimismo exportador” da América Latina deve ser relativizado, pois países como o Brasil, desde os anos 1960 implementaram amplos programas de apoio às exportações de manufaturados, programas que foram abandonados nos anos 1990.
Na verdade, a experiência asiática é marcada profundamente pela Revolução Chinesa de 1949 (FAIRBANK, 1989), evento com implicações geopolíticas e sociais. Diante da revolução e da popularidade dos movimentos comunistas, os Estados Unidos realizaram políticas de contenção que implicaram grandes concessões para certos países. Assim, o governo americano concedeu empréstimos e apoio financeiro a Taiwan e Coréia do Sul, garantiu um avanço da reforma agrária e principalmente abriu seus mercados às exportações desses países, tal como havia feito com o Japão. E, ironicamente, também as disputas da Guerra Fria, movimento que visava o isolamento da antiga União Soviética, explicam a aproximação dos Estados Unidos com a China.
A relativa autonomia do Estado e a exigência de exportar manufaturas em países como Coréia e China tornavam evidente a necessidade de se estabelecer formas de organização para tornar as empresas capazes de atuar no mercado mundial, competindo com os grandes grupos econômicos dos países desenvolvidos. Assim, mirando-se no exemplo dos zaibatsu japoneses, o governo coreano tratou de concentrar o crédito dos bancos oficiais em poucas empresas, concentrando capitais deliberadamente e dando origem aos poderosos chaebol, gigantescos conglomerados corporativos que progressivamente ganhavam autonomia financeira e capacidade de inovação tecnológica (AMSDEN, 1989).
A América Latina, em contrapartida, seria caracterizada “por uma espécie de centralização imperfeita; algo como um bloqueio político-estrutural à centralização do capital” (LESSA; DAIN, 1982, p. 223). O desenvolvimento latino-americano mostrou-se incapaz de dar origem a grandes grupos empresariais dotados de autonomia financeira e capazes de inovar tecnologicamente. Na região, o capital pouco centralizado foi pulverizado por um grande número de empresas relativamente frágeis financeira e tecnologicamente, e o Estado ou foi incapaz ou não teve por objetivo realizar uma política de apoio à centralização de capitais.E a fragilidade das empresas reflete-se na fragilidade das economias nacionais, determinando sua inserção periférica na economia mundial.
Concluindo, o projeto em curso na América Latina parece não garantir patamares razoáveis de crescimento, assim como também não contempla qualquer política nacional capaz de levar a região a superar sua posição periférica na ordem mundial. Quanto à Ásia, pode-se afirmar que “a ampliação do Centro só ocorre a partir de revoluções nacionais ou de projetos nacionais de desenvolvimento, como demonstram, neste século, os exemplos da Coréia ou da China” (CARDOSO DE MELLO, 1997, p. 23). Em suma, enquanto a América Latina parece reproduzir a falta de autonomia das nações, na Ásia manifestam- se casos bem-sucedidos de superação do subdesenvolvimento.
Para se informar masi sobre esse tema leia também os textos anteriores e o texto postado na última segunda-feira sobre o desenvolvimento chinês escrito pelo João Ricardo.
Frederico Matias Bacic
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