Economia


Economia de mercado? Onde? (Parte II)

Quando saímos dirigindo todos os dias, em direção ao trabalho, agradecemos pela existência de algumas regras simples, que nos permitem ir e vir sem muito risco. E é algo engraçado porque há muito mais regras e preocupação nos aeroportos de Congonhas e Guarulhos em São Paulo. Para alguns que pretendem viajar pelo ar, muito mais regras são necessárias para garantir a mesma segurança de ir e vir.

Legal, não? Milhares de motoristas com objetivos diferentes se saem razoavelmente bem sob poucas regras enquanto para poucos pilotos, as regras são muito mais detalhadas. Isto ilustra o que Hayek dizia sobre o fato de sociedades complexas funcionarem melhor sob poucas regras (em Direito, um defensor desta tese é Richard Epstein).

Mas funcionar melhor para que ou para quem?

Uma sociedade é composta de diversos indivíduos que se relacionam trocando diversos tipos de produtos (bens ou serviços). Pais e filhos trocam amor. Gente como eu troca dinheiro por café. Gente como meus alunos trocam dinheiro pelo direito de estudar.

Isso sem falar que o mesmo aluno pode ser como eu trocar dinheiro por café (ou chá) e trocar amor com sua namorada (ou com a do melhor amigo, desde que ele não saiba disto ou seja muiiiiito liberal sexualmente falando...). Em resumo: objetivos como estes não podem sequer serem computados. Seria impossível. E mesmo assim, a genialidade humana funciona. Temos o mercado.

Bem, aqui teríamos um exemplo parecido com o que a maior parte dos livros de economia chama de "economias de mercado". Entretanto, eles nem sempre destacam o aspecto informacional do mercado ou seu aspecto cooperativo. Vamos a eles.

A essência do mercado é a competição (disto todo mundo fala, normalmente para criticar o mercado). Através da competição, a sociedade descobre meios de se produzir os bens ao menor custo. Como isto é possível? Lembre-se que a sociedade é um conjunto de indivíduos com objetivos distintos, nem sempre previsíveis e nem sempre compatíveis - pense na última peça de liquidação com a qual se defrontam duas compradoras numa loja de roupas femininas...

Pois é. As duas compradoras, como todos nós, desejariam que existissem duas peças para que ambas comprassem os produtos. Escassez de produtos é algo subjetivo pois ambas desejam levar uma peça de roupa cada. E só existe uma. O mercado deixou estas últimas com problemas.

Por isto é que se diz que a sociedade deseja sempre produzir mais bens para seu consumo, ao menor custo. O custo menor implica que se empregam trabalhadores e máquinas de maneira economicamente eficiente, o que significa que o desperdício é mínimo e que se atende o melhor possível às diversas demandas.

Mas, você dirá, as demandas são distintas e nem todos têm a mesma tecnologia de produção, mesmo que se considere apenas um setor da economia (digamos, o que produz roupas femininas...vamos ver...mais especificamente, as mini-saias).

Aqui saímos um pouco da rósea visão de boa parte dos livros-texto e incluímos um tempero hayekiano sem abrir mão da maravilhosa análise que nos foi proporcionada por gente como George Stigler ou Milton Friedman. Por que?

Porque a produção da mini-saia pode ser feita de formas mais ou menos eficientes. Nem todos os produtores possuem as mesmas informações sobre como produzir esta peça de roupa feminina (que fica ótimo nas mulheres :-) neste verão). Informação é um bem escasso e disperso. Você tem de encontrar alguém que saiba produzir um determinado componente da máquina e nem sempre você sabe onde esta pessoa se encontra. Talvez você tenha de viajar o país inteiro para encontrá-la, talvez não.

Ou você poderia encontrar esta pessoa e obrigá-la a fazer o que você quer. Há duas formas de se fazer isto. A primeira é falar com seu amigo do BNDES ou do Congresso Nacional para, digamos, forçar uma medida legal que obrigue o sujeito a trabalhar para você. A outra é sequestrá-lo e escravizá-lo.

Note que ambas as formas usam da coerção. Uma talvez seja aceita durante algum tempo (grandes mudanças históricas foram feitas por causa de leis não aceitas...lembrem-se da Revolução Americana ou de Tiradentes). A outra provavelmente gerará mais violência em menor período de tempo. Por que isto acontece?

Obviamente porque o fabricante obrigou alguém a trabalhar para ele. Tirou-lhe a liberdade entre trabalhar para ele, trabalhar para mim, ficar em casa, ou mesmo mendigar. Ninguém gosta de coerção, exceto, claro, quem a emprega.

Se eu escrevo um livro e alguém toma trechos de meu livro e os publica como sendo dele, comete, claro, um ato similar. Desrespeita o meu direito de me beneficiar sobre algo que eu produzi (se eu fiz o mesmo no estágio anterior de produção, claro, eu também estou praticando o mesmo erro).

Uma sociedade baseada em quebras de direitos de propriedade constantes só existe se houver um governo forte (no sentido repressor mesmo) que garanta que todos não se revoltem. Dois exemplos claros disto são a República Popular da China e o antigo Paraguai sob o governo do general Stroessner. Em ambos os países a pirataria é (era, no caso do vizinho próximo) a regra. Em ambos, o governo é forte.

O que nos leva a outro problema que é: "o que é um governo realmente forte"? Aquele que garante os direitos de propriedade individuais, sempre verificando sua possibilidade evolutiva de forma a maximizar o produto conjunto da sociedade, sob regras simples, sem destruir a liberdade individual - que é justamente o ponto inicial que permite a maior criatividade humana na produção sob direitos de propriedade claramente delimitados e respeitados - ou aquele que cria milhares de regras, sem se preocupar com a liberdade individual, encarando todo fracasso como culpa de uma ou outra classe de indivíduos que propugnam a liberdade de produzir e não ser roubado (ou seja, o respeito aos direitos de propriedade)?

Claro, a resposta é óbvia. Mas note, leitor, a evolução na estrutura dos direitos de propriedade é inevitável. Não há como negar que bens como "estradas", outrora mantidas pelo governo, hoje podem ser, mais eficientemente, mantidas pelo setor privado. Este é sempre o ponto do conflito social: a mudança dos direitos de propriedade. Eu posso garantir a você uma coisa: mesmo sem saber qual é o arranjo melhor para a sociedade, qualquer um deles que agrida a liberdade individual terá consequências nefastas. Como não deixar isto ocorrer não é fácil de saber. Mas é fácil ver porque as reformas liberalizantes na América Latina não continuam atualmente e nem sempre têm o apoio de todos os grupos da sociedade.

De qualquer forma, talvez agora você saiba o que não é uma economia de mercado. :-)



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