Economia
Substitutos perfeitos?
Uma discussão que sempre surge em sala de aula quando se começa a fazer - seriamente - os exercícios do livro de introdução à economia diz respeito a dúvidas como: "por que suco de laranja e de tangerina são substitutos, eu conheço um cara, no interior, que toma os dois juntos". Ou: "professor, por que cachorro quente e misto quente são substitutos? Eu sou o único cara que eu conheço que acha os dois complementares".
E por aí vai. As perguntas - não tão distantes assim do que já ouvi em sala - sempre dizem respeito à tentativa incorreta de particularizar conceitos gerais. Um bem é substituto de outro e ponto. Claro, se você ainda não aprendeu a: (i) maximizar a utilidade de um consumidor, sujeito a uma restrição orçamentária e, (ii) derivar a função de utilidade (por sinal, ordinal) e, finalmente, (iii) calcular os efeitos cruzados dos preços (dx1/dp2 e dx2/dp1), então você tem de aceitar, mesmo que de má vontade, os exemplos do livro. O mundo não vai acabar se, nos EUA, os caras consumirem dois bens de uma forma diferente da que você consome aqui. Lembre-se: todo o continente americano consome abacate com sal e arroz, só no Brasil a gente consome abacate com açúcar. E o mundo não acabou.
Pois é. Isto tudo é para tentar aliviar a impaciência gerada pelo tufão hormonal dos alunos adolescentes: aceite os exemplos com alguma paciência. Se você quiser mesmo estudar isto mais a fundo, sempre há uma biblioteca por perto.
De qualquer forma, eu jamais esperaria que consumidores trocassem alcóolicos destilados por não destilados. Entretanto, os russos não concordam comigo. Para eles, vodca e cerveja são substitutos. Ou seja, lá o negócio parece mesmo ser consumir álcool (possivelmente a temperatura média possa ser uma boa explicação para este comportamento).
Isto me faz lembrar: como o professor Supimpa explicaria isto (o Luciano é que gostará disto)?
Ele diria o seguinte:
- Ok, rapazes e moças. Vocês aprenderam a derivar funções de demanda a partir do problema de maximização de utilidade do consumidor representativo, certo? Agora, vamos brincar um pouco. Você aí, no fundo, lembre-se que está na faculdade, não no chiqueiro. Tire o dedo do nariz.
- Professor, isto que fizemos é interessante, mas poderíamos levar em conta mais um pouco da realidade, não?
- Claro. Tudo a seu tempo. Vamos fazer da maneira mais simples possível, incluindo parâmetros sob poucas hipóteses.
- Como assim?
- Veja, você encontrou, após alguma matemática, que o bem x é tal que: x= x(px, py, m), certo? Ah, claro, py é o preço do outro bem envolvido nos cálculos e m é sua renda. Não se esqueceu disto, né?
- Claro que não, professor.
- Ok. Agora, vamos lá. Sabemos que dx/dpy > 0 nos diz que a quantidade demandada de x varia diretamente com o preço de y.
- Na mesma proporção?
- Tá doido, cara? Eu não tenho como saber a proporção. Só sei a direção.
- É mesmo. Desculpa. Eu sempre me confundo.
- Ok. Se o aumento no preço do açúcar aumenta a demanda do café, então isto lhe parece estranho?
- Um bocado. Eu acharia isto esquisito, pois as pessoas normalmente consomem café com açúcar.
- Exato. Então este não é um bom exemplo. Dê-me um melhor.
- Poderia ser pepsi e coca-cola, pelo menos para muita gente.
- Perfeito.
- Mas professor, e aquele post sobre vodca e tudo o mais?
- Ah, sim. Você queria tratar de incluir mais uma variável, certo?
- Sim. Mas não sou esperto o suficiente (e nem pensei muito nisto nos últimos dias) para montar um problema do consumidor mais genérico, com uma variável nova endogeneizada.
- Tudo bem. Estes modelos começam sempre de forma simples. Então temos: x=x(px, py, m). Vamos dizer que a temperatura seja importante na determinação do preço da vodca ou da cerveja, ok? Vamos tentar o exemplo mais simples: x=x(px(t), py(t), m), onde dpx/dt e dpy/dt são, ambas, negativas.
- É, não é difícil de entender. Mas supor que o preço da cerveja caia com o aumento da temperatura não é estranho?
-É, mas a notícia nos faz supor que, na Rússia, o povo provavelmente toma cerveja quente. Ou então os bares/casas são bem aquecidos.
- É. É verdade. Vamos continuar com este mais simples, professor.
- Ok. Se ficarmos assim (não sem um certo desconforto quanto à cerveja), já teríamos algo como: dx/dt = [dx/dpx]*[dpx/dt] + [dx/dpy]*[dpy/dt] pela óbvia regra da cadeia. O primeiro termo é positivo e o segundo é negativo. A soma é....indeterminada.
- Que chato...e se eu imaginasse que, para a cerveja, é diferente, digo, dpy/dt > 0?
- Ok, se x é a vodca e y é a cerveja, teríamos que [dx/dpx]*[dpx/dt] seria positivo e [dx/dpy]*[dpy/dt] também seria positivo. Neste seu caso, dx/dt > 0. Ou seja, quanto mais quente, maior o consumo de vodca. Faz sentido?
- Hum...
- Pois é. Isto nos mostra que talvez o modelo não esteja sendo bem construído. Alguém poderia nos dizer que o mais razoável seria que o efeito da temperatura fosse não via indireta, mas, talvez, desta forma: x=x(px, py, m, T).
- Mas então vale tudo?
- Não, não é que você faz modelos da forma que você quer. Modelos se tornam mais robustos quando você, no caso da economia, busca explicar mais variáveis. A técnica do "coloque vírgulas e mais variáveis" é um passo inicial, tosco, muitas vezes enganoso, mas que pode ajudar os pesquisadores a descobrirem o que NÃO devem fazer.
- Entendo. Então isto deveria estar, digamos, na função de utilidade?
- Olha, Philip Parker, um cara que trabalhar com Fisioeconomia, tenta fazer algo assim, com o que chama de função de utilidade basáltica (se não me falha a memória). Mas eu não sei se é um bom modelo.
- De qualquer forma, vou ler mais sobre o assunto, professor. Se eu entender como funciona a relação entre temperatura e consumo de bebidas alcoólicas, posso entender melhor a demanda deste bem no Brasil ou em qualquer outro lugar. Já entendi. Tenho de ir à biblioteca e fazer uma boa busca sobre funções de demanda e temperatura.
- Sim, e nem todos os bens terão esta característica. Você está aprendendo bem.
- E não é só sair por aí, nos corredores, falando sobre o que leio em blogs. Embora este tal de "Economia Everywhere" seja interessante, muitas vezes os caras escrevem errado ou falam sobre coisas de que não gosto.
- Correto. Mas um blog não tem a função de substituir um livro. Se assim o fosse, as editoras estariam lançando blogs e dispensando gráficas. Lembre-se que o e-book não foi o sucesso que se esperava.
- Nossa....tanta coisa para pensar.
- Pois é. Vá em frente. Ninguém disse que era fácil, não é?
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