Economia
Aula de Escolha Pública
Políticas de benefícios concentrados e custos dispersos têm um problema inerente: a indefinição dos direitos de propriedade. Quem é o responsável por seu fracasso? A parcela que fica com os benefícios ou aquela que arca com os custos?
A MP232 é um bom exemplo disto. Ontem, no O Globo, dizia o presidente da CUT (quem diria, afinada com o governo):
BRASÍLIA - O presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Luiz Marinho, disse nesta terça-feira ter sido surpreendido com a notícia de que o limite de isenção da tabela do imposto de renda voltará aos R$ 1.058 do ano passado e afirmou que a CUT vai dialogar com o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, e com as demais lideranças do Congresso para restituir a correção. Segundo ele, não faz sentido o Congresso rejeitar um beneficio dos trabalhadores.
Marinho disse ainda que amanhã a diretoria da CUT vai discutir o assunto e, entre as estratégias, deverá estar incluída uma vinda a Brasília para pressionar o Congresso a reconstituir a tabela. Segundo ele, a responsabilidade pela correção do imposto de renda passa agora a ser do congresso.
- Deixa de ser uma responsabilidade do governo para ser responsabilidade do Congresso - afirmou Marinho.
Ou seja, a estratégia é típica de manuais de Escolha Pública: os políticos tentam juntar medidas diferentes (bastante diferentes) em um único projeto. Você tem uma promessa antiga do governo de facilitar a vida da população como um todo através da alteração do limite de isenção do IR junto a uma esperta difusao de custos entre os "prestadores de serviços" (categoria de difícil capacidade de mobilização, já que abrange diversos profissionais de áreas distintas). Se a medida é rejeitada, há o benefício dos prestadores, que escaparam de um aumento de servidão (dias de trabalho que, se convertidos em reais, dão-nos o quanto trabalhamos para o governo, involuntariamente) e também há o custo de toda a sociedade, com a não-alteração do limite de isenção do IR.
O que o Executivo (diria eu, ironicamente: filiado a CUT) faz agora? Tenta jogar a culpa da não-aprovação de seu pacote no Congresso. Esta é uma posição que já foi percebida, inclusive, pelo IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), um dos responsáveis pela formidável mobilização dos prestadores contra a MP 232 (vide www.mp232.com.br). Disse Gilberto Luiz, desta entidade:
"Como o governo não estava conseguindo aprovar a MP 232 no Congresso, resolveu transferir a culpa da não correção da tabela de IR para a sociedade", avaliou Amaral. Com a desistência de aprovar a medida, o limite de isenção do IR cai dos atuais R$ 1.164 para R$ 1.058 – o mesmo do ano passado.
A tabela – que está congelada desde 1996 – sofreu uma correção de 17,5% em 2002. Essa correção, porém, foi insuficiente para zerar as perdas acumuladas em todo o período em que ficou estagnada. Estima-se, segundo ele, que a tabela de IR precisaria ser corrigida em no mínimo 56%.
Não deixa de ser de um cinismo berrante.
A culpa, agora, é de quem lutou contra a MP232 legalmente, pressionando o Congresso de forma similar ao que fazem CUT e associados.
A pergunta irresistível é: se fosse através de medida provisória, seria mais legítimo? E a resposta que viria do pessoal da "ética na política" e "um outro mundo é possível" seria: "só se o presidente for de esquerda".
Conclusão pessimista: a escolha pública nunca mereceu ser tão bem estudada neste país. Não apenas pelas sugestões que se pode tirar dela para se melhorar algo neste país, mas pela difusão de exemplos de comportamentos racionais, auto-interessados que os políticos e grupos de interesse mostram.
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