A lógica da conveniência
Economia

A lógica da conveniência


Ao puxar uma corda eu deveria trazer para perto o que estivesse amarrado à outra ponta. Poderia não conseguir, se as forças opostas fossem maiores que a minha, mas ninguém me acusaria de ter empurrado o objeto. Óbvio, é claro, mas se o assunto tratar de câmbio e juros, não falta quem prefira ignorar esta lógica simples.

Caso eu perguntasse o que ocorreria se a Selic fosse reduzida, qualquer um responderia (corretamente) que a taxa de câmbio deveria se depreciar. Por simetria, um aumento do juro levaria à apreciação cambial. Curiosamente, porém, ainda que todos concordem com estas conclusões, quando se buscam as causas da apreciação cambial observada no período mais recente são ainda muitos os que apontam a taxa de juros, o que está em flagrante contradição com a crença anterior.

De fato, nos últimos 18 meses a diferença entre as taxas de juros no Brasil e EUA caiu de 15% a.a. para um valor próximo a 7% a.a. Ninguém duvida que uma nova redução desta diferença daqui para frente depreciaria o real (pelo contrário, muitos clamam por isso), mas, por motivos que me escapam, não admitem que a queda de oito pontos percentuais no diferencial de juros desde outubro de 2005 poderia ser responsável por muitas coisas, menos pela apreciação da moeda. Por que, então, o real se fortaleceu?

Obviamente, como no exemplo da corda, deve haver outras forças atuando no sentido contrário e prevalecendo sobre os efeitos da queda da taxa de juros. Se fosse possível a experimentação em laboratório na ciência econômica, poderíamos testar esta afirmação alterando apenas a taxa de juros e mantendo as demais variáveis constantes, de modo a isolar o seu efeito do juro sobre o câmbio.

Tal experimento controlado não é factível, mas há técnicas estatísticas que, sujeitas às restrições de praxe, nos permitem reproduzir, na medida do possível, as condições do laboratório. Basta estimar um modelo que explique a taxa de câmbio em função de algumas variáveis (risco-país e expectativas do câmbio 12 meses à frente, além do diferencial de juros) e pedir a este modelo que simule a trajetória de câmbio, supondo que a trajetória da taxa de juros seja exatamente a observada, fixando, porém, as demais variáveis.

Feita a simulação, o resultado não é distinto do que eu afirmava acima: o efeito “puro” da taxa de juros teria feito a moeda se depreciar pouco mais de 6,5% entre outubro de 2005 e março de 2007, efeito, porém, mais que compensado pela queda do risco-país (apreciação de 1%), e, principalmente, pela forte queda da expectativa de câmbio 12 meses à frente (apreciação de 15%). A resultante destas forças seria uma apreciação do real em torno de 9% no período, bastante próxima ao valor observado (7,5%), sugerindo um modelo razoavelmente preciso.

Falta, é claro, explicar a razão da queda do câmbio esperado, mas há evidências indicando que preços de commodities (e consequentemente o desempenho futuro da balança comercial) mantêm forte relação inversa com esta variável, isto é, preços mais altos melhoram as perspectivas de balança comercial e, portanto, sugerem apreciação da moeda à frente. Assim fica patente que, no balanço das forças, tem prevalecido o desempenho estupendo da balança comercial, fortalecido pela alta das commodities. Quem ignorar este fenômeno pode espernear à vontade, mas jamais entenderá o que tem acontecido com a moeda.

(Publicado 02/Mai/2007)



loading...

- Erros De Política Econômica - Argentina (i)
Da coluna de Alexandre Schwartzman, na edição de 30 de abril da Folha de São Paulo: "Qual a origem do problema inflacionário argentino? Simplesmente seu regime cambial e monetário. Na Argentina, o câmbio só 'flutua' para cima, graças à...

- Câmbio, Scotch E água Tônica
Certas afirmações sobre a recente apreciação do câmbio no Brasil me lembram uma velha história. Um cientista, apreciador de bebidas mais fortes, resolveu testar o que causava suas monumentais ressacas. Assim, na segunda-feira tomou gim e tônica,...

- Mudando De Lugar
Abordei na minha última coluna a taxa real de câmbio, argumentando que o comportamento da economia (saldos elevados em conta corrente acompanhados de expansão vigorosa da demanda doméstica) sugere uma taxa próxima ao seu equilíbrio. Coincidentemente...

- O Câmbio E A Navalha De Ockham
Os que acreditam que a apreciação do real nos últimos tempos resultou da diferença entre os juros domésticos e externos enfrentam agora um sério problema: desde meados do ano passado o diferencial de juros caiu à metade e, a despeito disto, a moeda...

- Taxa De Juros E Taxa De Câmbio
Da coluna de Alexandre Schwartzman, na Folha de São Paulo: "Nos últimos 18 meses, a diferença entre as taxas de juros no Brasil e nos Estados Unidos caiu de 15% ao ano para cerca de 7% ao ano". "Estimando um modelo que explica a taxa de câmbio em...



Economia








.