O Primeiro-Ministro José Sócrates aproveitou o tempo de antena que a estação pública de televisão lhe deu por forma a poder fazer marcação directa à entrevista da véspera da líder da Oposição para anunciar que irá avançar com um pacote fiscal de protecção às famílias mais carenciadas.
Embora sem adiantar mais dados concretos, o Primeiro-Ministro avançou já que uma das medidas passará pela revisão dos valores máximos do IMI – Imposto Municipal sobre Imóveis, de forma a evitar "
aumentos anuais de 15 por cento desta receita cobrada pelas Autarquias" como se verificou nos últimos anos em Municípios como Braga.
No cômputo geral do País, fiscalistas como Vasco Valdez estimam que a subida dos valores arrecadados com o IMI possa ter crescido cerca de 50% entre 2003 (ano da Reforma da Tributação do Património) e 2007.
Também na mesma linha, os vários Anuários Financeiros dos Municípios Portugueses têm apontado no sentido de um crescimento das Receitas Próprias das Autarquias e, em especial, de uma crescente proveniência de verbas de impostos como o IMI.
A bem da verdade, cumpre explicitar que são vários os mecanismos implícitos à Reforma da Tributação do Património e à própria mecânica de funcionamento deste imposto que têm vindo a contribuir para que o IMI se assuma como uma verdadeira “galinha dos ovos de ouro” para algumas Autarquias, especialmente as de média/alta dimensão.
Nesta última vertente, recorde-se que o IMI vai sendo progressivamente aplicado a mais imóveis (por via do fim dos períodos de isenção), o que tem vindo a acontecer também de forma cada vez mais célere atendendo a que a nova Lei encurtou os prazos de isenção anteriormente vigentes (de 10 para 3 ou 6 anos, de acordo com o valor tributável do Imóvel).
Por outro lado, à medida que os imóveis são transaccionados, procede-se à sua reavaliação, o que mais contribui para o aumento da base tributável, independentemente de poderem vir a beneficiar numa fase inicial do referido período de isenção.
Há, finalmente, um outro aspecto nada negligenciável no processo: consciente do impacto que este processo teria na carteira dos proprietários dos imóveis, o legislador impôs o estabelecimento de uma cláusula de salvaguarda, um mecanismo que tem impedido o aumento abrupto anual dos valores a pagar do IMI por cada proprietário, representando o tecto máximo de aumento em cada ano fiscal.
Quer isto dizer que, por mais que a aplicação directa da taxa em vigor em certo Município ao valor tributável do imóvel pudesse representar uma quantia muito elevada, o contribuinte apenas pagaria um valor inferior, próximo do que pagava inicialmente, acrescido da verba estabelecida como a dita cláusula de salvaguarda (120 Euros para 2008).
Acontece que se compararmos os valores pagos inicialmente como Contribuição Autárquica e os que hoje são liquidados como IMI (incluindo esses tectos de aumento anuais já acumulados, pode existir uma diferença significativa).
Em suma, mesmo num cenário de manutenção das taxas, a tendência natural era para os contribuintes pagarem cada vez mais IMI e para as receitas das Autarquias aumentarem de forma muito significativa.
Diga-se, até, que esta situação teria/terá o seu apogeu no ano de 2009, altura em que a cláusula de salvaguarda é totalmente suprimida.
Se, indiscutivelmente, um dos méritos da Reforma da Tributação do Património foi o de conferir maiores poderes tributários às Autarquias, dando-lhes a possibilidade de fixar as taxas para estes impostos, na expectativa implícita de que caberia aos eleitores ajuizar as políticas fiscais encetadas pelos seus Autarcas (até porque “liberdade" nunca equivale a "ter que fixar taxas máximas ou próximas disso"), esperava-se que esses Autarcas gerissem essa possibilidade com bom senso e razoabilidade, adaptando essas taxas à evolução da cobrança e da conjuntura económica envolvente.
Daquilo que tem sido a experiência prática deste fenómeno, constata-se porém que os Autarcas optaram, numa fase inicial, por aplicar as taxas máximas permitidas, numa lógica de defesa contra os possíveis impactos adversos da Reforma (que nunca ocorreram).
Com o passar dos anos, à medida que se percebeu que as suas receitas cresciam exponencialmente e que se mantêm as perspectivas de aumento da receita à luz dos factores já enunciados, a descida das taxas do IMI começou a verificar-se de forma generalizada, ainda que aqui e ali com uma expressão mais envergonhada.
Hoje, a cada vez mais rara fixação de taxas do IMI próximas dos seus máximos legais serve apenas para cobrir os desequilíbrios financeiros das Autarquias, a expensas dos Munícipes, num período em que as difíceis condições económicas e sociais que subsistem mereceria uma atitude de salvaguarda das poupanças dos cidadãos economicamente mais frágeis, como já demonstra um número significativo de Autarquias um pouco por todo o Pais.
A decisão de José Sócrates é, pois, uma medida extremamente demagógica e que enferma de um erro recorrente deste Governo: à medida que dá a crer que está a reforçar as competências dos Municípios desenvolve inúmeras iniciativas que atentam contra a sua autonomia, restringindo-lhes o acesso a recursos financeiros.
Mais, a decisão do Primeiro-Ministro é, também, um atestado de menoridade aos Autarcas, acusando-os implicitamente de não saberem gerir os seus recursos no respeito por aqueles princípios e fazendo pagar os justos pelos pecadores.
Para cúmulo, ao actuar directamente sobre as taxas, e à luz dos factores já referidos, pode até verificar-se uma situação em que não só os contribuintes não pagarão menos IMI, como as Autarquias não irão perder nas receitas globais arrecadadas com este imposto.
O facto de a medida ser anunciada na TV, sem fundamentação e sem discussão prévia com os visados, é só mais uma questão de estilo.
PS – Como parece claro, salvo em situações excepcionais, as taxas do IMI devem descer. Mas tal deve acontecer por uma via de uma decisão dos seus Autarcas e não pela intervenção tutelar de quem parece ter mais facilidade em abdicar do dinheiro que os outros gerem do que daquele que é gerido por si.
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