Sociologia, qual é mesmo o seu papel?
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Sociologia, qual é mesmo o seu papel?


(Elaborei esta resenha crítica para um trabalho da faculdade, mais precisamente para a disciplina "Metodologia E Técnica de Pesquisa I-A", lá em CISO-UFBa.
Tanto a referência sobre a qual me baseei quanto a minha definição crítica desta referência se direcionam ao que poderia (ou pelo menos não poderia) ser um eventual papel da sociologia na modernindade. Ainda que ninguém tenha tido acesso ao texto original resolvi postar a resenha aqui, acreditando que o entendimento não venha a ser tão comprometido).



De Como Se Soltar E Se Prender À Ciência Natural*

Por Rodrigo Lessa

Talvez, o melhor pensador em sociologia seja aquele que contribuindo para a resolução das dificuldades metodológico-conceituais grandemente, institui os alicerces da superação de suas próprias sugestões através desta mesma contribuição resolutiva. Ou melhor dizendo, aquele que abre as portas do egocentrismo para a sociologia passar. Em “Introdução à Sociologia”, talvez, Norbert Elias tenha se sagrado como um destes pensadores.
No citado livro, Elias começa chamando a atenção do sociólogo para o fato de que este está e sempre esteve imerso em seu campo de estudo. Não há que se buscar um afastamento completo do objeto de pesquisa no momento de investigação, traduzindo a sociedade numa constituinte de estruturas exteriores ao indivíduo, como que reificando a existência destas supostas estruturas. Não. É demandado antes de tudo à própria sociologia um reconhecimento da existência dependente e recíproca de indivíduo e sociedade, não havendo esta onde àquele não possa agir em sua particularidade de parte do todo.
Como ele observa na introdução do livro, essa perspectiva de “afastamento” se fez presente ao estudo dos fenômenos sociais através de uma inevitável influência da concepção teórica (lembraremos deste termo mais à frente) das ciências naturais, que ainda guardam um grande alcance sobre a compreensão da dinâmica social. É comum neste tipo de ciência a necessidade de isolar o “experimento” que compreende o objeto a ser estudado para que se neutralize ao máximo a interferência externa – inclusive do próprio homem – no resultado da experiência. No entanto, isto é visivelmente impossível em sociologia, e por isso tornam-se imprescindíveis novas formas de pensar modos de interagir e compreender os objetos de estudo sociológicos; um novo modo de se colocar frente à particularidade do próprio tipo científico que corresponde à sociologia. Ou, como diria Elias, uma imediata “evolução social do discurso e do pensamento” precisa ser trilhada.
Até onde se compreende a identificação do problema, Elias foi preciso e objetivo. No entanto, é justamente na forma com que ele irá propor o desenvolvimento deste projeto que o fará cair numa espécie de determinismo das ciências naturais, ao qual ele foi um duro crítico. Surgem em seu texto diversos momentos em que claramente ele toma a experiência das ciências naturais como semelhante a que a sociologia irá trilhar em seu desenvolvimento histórico-científico. Daí em diante ele irá cometer leves enganos que estão diretamente relacionados à idéia de que a ciência social tende a realizar “as mesmas dificuldades e os mesmo paradoxos” das ciências naturais.Mas vejamos antes qual a sua proposta.
Para alcançar a concretização desta proposta o autor sugere um exame minucioso do processo com que formas pré-científicas se transformam em modos científicos de produção do conhecimento. Isso pois “o modo científico dá às pessoas a possibilidade de distinguir mais claramente, à medida que vai se avançando, as idéias fantasiosas das realistas”. Adiante, o fomento destas idéias realistas permitira um progresso social geral e portanto da própria ciência, o que faz da destituição das idéias fantasiosas a verdadeira tarefa do sociólogo. Daí a preocupação fundamental desta obra em “promover a evolução de um pensamento e uma imaginação social relativamente à percepção das interconexões e configurações elaboradas pelas pessoas”.
“Destruidores de mitos”: seria esta a característica central do sociólogo. Esforçariam-se através da observação dos fatos por “substituir mitos, idéias religiosas, especulações metafísicas e todo o tipo de imagens não fundamentadas por processos naturais, por teorias testáveis, verificáveis e susceptíveis de correção por meio da observação factual”.
A teoria sociológica do conhecimento sugerida por August Comte se confirmaria assim como o instrumento correto para fornecer a concepção teórica (voltamos a ela) que, desenvolvida juntamente com o método deste novo tipo científico, a sociologia, forneceria uma idéia geral do seu campo de estudo. Ao concretizar este exercício os instrumentos conceituais estariam suficientemente desenvolvidos para exprimir a “natureza da transformação social global”, e ainda “explicar as relações entre seus aspectos individuais”, sendo estes os verdadeiros problemas com que a sociologia deveria se preocupar.
Ora, é de se questionar uma suposta vocação da sociologia de necessariamente ir de encontro sobre as amarras enganosas que a sociedade se propõe para responder ao seu próprio funcionamento. Isso pois em seus próprios estudos, pode-se detectar que existe um bom número de abstrações usuais que são imprescindíveis a um mínimo de coesão social, e portanto se tornam praticamente impossíveis de serem transformadas em teorias “verificáveis e susceptíveis de correção”. Não obstante, Elias sugere que esta vocação desmistificadora “nunca será totalmente realizada”, devido ao fato de que sempre haverá alguém transforme a ciência em um sistema de crenças. Mas a verdade é que em muitos temas a ciência poderá ficar completamente de fora.
Tanto as teorias antropológicas do estruturalismo e do funcional-estruturalismo como a própria sociologia compreensiva há muito tratam da ordem de significados e significantes concedida ao indivíduo pela sociedade, e portanto da imprescindibilidade da existência abstrata de um mundo bem ordenado e estável ao indivíduo, tudo isso bem definido em sua mente através da cultura. “Pela natureza do seu espírito, o homem não pode lidar com o caos (...). Este código estruturador gera a lei e a ordem, e a expectativa de organização responsabiliza-se por todo o medo à anarquia e à confusão de domínios que por definição devem se manter separados” (Rodrigues, 1983). Logo, se a própria ciência nunca demonstrou a vocação para manter a ordem destes códigos, que por natureza são calcados em sentidos dissimulados, pouco claros e sem pretensão de correspondência lógica, a hipótese de que as teorias científicas não possam substituir estas leis culturalmente estabelecidas pode leva-la a uma perda de seu sentido, caso pretenda-se seguir a proposta sociológica de Elias.
O fato é que esta concepção teórica desenvolvida por ele como apropriada à sociologia termina apenas por encontrar guarida na forma com que as ciências naturais desmistificaram abstrações sociais que estiveram relacionadas a informações sobre a natureza física, que posteriormente se impuseram às percepções equivocadas dos acontecimentos naturais. Talvez ele tenha partido deste pressuposto, bastante reconhecido, é verdade, para supor que a sociologia fosse mais capaz de remediar uma quantidade ainda maior e mais complexa de suposições que se constroem constantemente sobre os acontecimentos sociais. O que não deixa de ser em parte ,uma verdade. Mas daí a convocar este atributo que a sociologia tem de dar melhores e mais completas explicações aos acontecimentos como um ditame ou um imperativo, ou mesmo defini-lo como uma vocação irrecorrível por desmistificar a tudo e a todos, há um grande equívoco. Dar a sua posição quanto aos acontecimentos é algo que a própria sociedade, em alguns momentos, tem-lhe requisitado .Mas crer que ela acredita na sociologia como uma forma de eliminar todo e qualquer engano seu, corresponderia a uma não observação da própria sociologia quanto à peculiaridade dos agrupamentos sociais.
Não há que se negar a contribuição de Elias: seria um erro ainda maior. No entanto, a idéia de fugir à influência das ciências naturais passa menos por uma atenção a ela e ao seu determinismo do que ao próprio objeto de estudo da sociologia e à sua peculiaridade. Talvez, a contribuição da sociologia esteja próxima ao que Geertz entende pelo papel da antropologia: “A vocação essencial da antropologia interpretativa não é responder às nossas questões mais profundas, mas colocar à nossa disposição as respostas que outros deram (...) e assim incluí-las no registro de consultas sobre o que o homem falou”.



* Texto elaborado com base na introdução e no capítulo 2 do livro “Introdução À Sociologia”, de Norbert Elias.

BIBLIOGRAFIA:

ELIAS, Norbert. Introdução À Sociologia. Ed. Edições 70. Lisboa-Portugal.
RODRIGUES, José Carlos. Tabu do Corpo – 3a edição. Ed. Achiamé, 1983, Rio de Janeiro
GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Editora Guanabara



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