Sobre as reacções ao corte do rating de Portugal
Economia

Sobre as reacções ao corte do rating de Portugal


A descida do rating da República Portuguesa para Ba2 deixou aparentemente o país em estado de choque/ indignação que nas vozes de alguns soa a desespero/pânico face à actuação da(s) "malvada(s)" agência(s) de rating (ver aqui, aqui, aqui, aqui, etc, etc, etc, etc...) .

As agências de rating tiveram culpas importantes na génese da chamada crise do subprime, enfrentam problemas de "agência" importantes e têm talvez uma influência exagerada - que em parte lhes é concedida pelos próprios bancos centrais quando usam esses ratings na avaliação dos colaterais que aceitam. E se a decisão de ontem da Moodys não tem impacto significativo no curto prazo para o financiamento da República, poderá (irá) ter reflexos importantes no financiamento da economia portuguesa ao tornar ainda mais dificil que, nomeadamente as empresas públicas e os bancos, consigam financiar-se nos mercados de capitais, contribuindo assim para agravar uma situação económica muito dificil. O que pode ser considerado "injusto" para um Governo que ainda agora iniciou funções e que se comprometeu a fazer tudo para cumprir os seus compromissos internacionais.

Dito isto, importa realçar que as agências de rating não se movem por critérios de "justiça" nem têm por missão facilitar a acção dos governantes recém-eleitos, mas sim avaliar - da forma mais objectiva possível - o grau de risco dos títulos que seguem, orientando as decisões dos investidores.

De acordo com as definições utilizadas pela Moodys  um rating Ba significa que se trata de uma título que se julga "to have speculative elements and are subject to substantial credit risk". Ora, Portugal é um país que tem uma dívida pública que de acordo com as projecções  do programa de ajustamento deverá ultrapassar os 108% do PIB em 2013. Isto assumindo que serão implementadas medidas de austeridade orçamental correspondentes a 5,7% do PIB em 2011, 3,0% do PIB em 2012 e 1,9% do PIB em 2013 (ou seja que em termos acumulados correspondem a mais de 10,7% do PIB). E um país que enfrenta um problema de competitividade que se traduz numa défice externo corrente que em 2011 e apesar da recessão se estima em cerca de 7,5% do PIB e em que os encargos com juros das administrações públicas ascenderão em 2013 a cerca de 5,1% do PIB.

O que significa que mesmo que tudo corra bem (e esperemos bem que sim) só por milagre conseguirá estar em condições de - como o programa prevê - em 2013 refinanciar a quase totalidade da sua dívida no mercado, o que implica que existe uma probabilidade elevada de que Portugal venha a carecer de um segundo programa de assitência financeira. Ora, olhando para o que se está a passar actualmente com a Grécia, é bastante provável que esse programa venha a ser condicionado à "participação" dos investidores privados (e.g. a uma reestruturação ou reescalonamento da dívida). Neste cenário, em que há uma contradição insanável entre a posição da Alemanha quanto à participação dos "privados" e as suas críticas às agências de rating, por muito desagradável que isso seja  não me parece que se possa dizer que o rating atribuído se encontre desajustado, podendo quanto muito encontrar-se razões para criticar o timing da decisão.

Neste contexto, criticar a(s) agência(s) de rating é quase o mesmo que criticar um meteorologista pelo mau tempo. Podemos acreditar que vamos ser capazes de superar a tempestade e que a seguir à tempestade virá a bonança, mas não faz sentido - nem é útil - demonizá-lo por prever uma tempestade quando as nuvens se acumulam no horizonte e a pressão atmosférica desce a pique.

Embora me pareça inevitável que o programa de assistência financeira seja "reforçado" e se prolongue para além de 2014 e muito dificil evitar alguma forma de restruturação de dívida, acredito que (ainda) é possível que esta decorra em condições aceitáveis (ver aqui). Mas, para isso não podemos desesperar e será necessário fazer o nosso trabalho de casa, manter a determinação em cumprir os objectivos do programa, contribuir serenamente para que a União Europeia e o BCE tomem as decisões mais correctas, ter consciência das dificuldades, determinação para as enfrentar e (muita) paciência para esperar que os resultados das medidas comecem a surgir e seja possível forma os necessários consensos políticos para que se possa evitar o pior, a situação  financeira se possa  desanuviar e a tendência se comece a inverter.  O que não vai ser fácil, nem vai acontecer da noite para o dia !

PS: Não perder este artigo do Vitor Bento sobre esta matéria.



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