Sobre as agências de rating
Economia

Sobre as agências de rating


A comoção nacional na sequência da decisão da Moodys de baixar o rating da República Portuguesa serviu para revelar duas tendências : i) falar e opinar do que não se entende - pelo menos completamente - com o tom e arrogância das certezas e ii) ter uma visão conspirativa da realidade, em que nada é o que parece.

Qual a função das agências de rating ?

A função das agências de rating é fornecer uma visão independente e objectiva do risco de crédito através da apliucação de uma escala de rating (notação) globalmente consistente. O rating é assim uma indicação standardizada e consistente que traduz uma opinião da entidade que o atribui sobre o risco de crédito título ou entidade. Um rating visa apenas reflectir a capacidade de um emitenete cumprir pontualmente as suas obrigações no curto ou no médio-longo prazo e não o risco de perda (ou ganho) dos seus detentores que depende de outros factores (e.g., evolução da taxa de juro) não constituindo um recomendação para comprar ou vender títulos. O seu papel traduz-se assim em fornecer aos investidores uma medida fácil de utilizar sobre o risco de crédito de investimentos alternativos facilitando a sua tomada de decisões, contribuindo assim para uma maior transparência do risco de crédito e um mercado de capitais mais eficiente.

A importância das agências de rating é ainda potenciada pelo facto de estes serem utilizados como referências pelas entidades reguladoras do sector financeiro e pelos bancos centrais. O que visa sobretido evitar que essas decisões sejam condicionadas por factores de natureza "política" e minimizar os problemas de agência na actividade dessas instituições reguladoras.

O que significa junk (lixo) ?

Os ratings atribuidos pelas agências de rating usam uma escala (cujo significado depende de agência para agência) -  no caso da Moodys entre Aaa e C - em que os ratings mais elevados correspondem a uma muito forte (Aaa a Aa3), forte (A1 a A3) ou adequada (Baa1 a Baa3) capacidade de cumprir os cmpromissos financeiros e por conseguinte a uma muito baixa ou baixa (mas nunca nula) probabilidade de entrar em incumprimento e que se traduz por aquilo que o mercado considera serem títulos de elevada ou média qualidade (investment grade). Sendo os títulos com rating inferior qualificados no jargão do mercado como "junk" ou "lixo". Note-se contudo que isso não significa que tais títulos sejam desprovidos de valor. Por exemplo, uma classificação (Ba1 a Ba3) não significa que o emitente irá entrar em incumprimento mas "apenas" que se trata de um título exposto a incertezas resultantes de uma evolução adversa da situação económicoa e financeira e que poderão conduzir o emitente a uma situação em que não seja capaz de solver integral e pontualmente a totalidade dos seus compromissos financeiros.

Quem paga os serviços das agências de rating ?

As agências de rating são entidades privadas cujas receitas provêm dos serviços prestados. Os serviços das agências de rating são contratados (e pagos) pelos emitentes dos títulos que se submetem "voluntariamente" ao escrutínio das agências de rating como uma forma de ampliar os fundos a que têm acesso e obter melhores condições de financiamento. Este modelo de negócio tem sido muito questionado - sobretudo após a crise financeira de 2008-2009 - na medida em que gera um potencial conflito de interesses, o qual resulta de a entidade que contrata e paga os serviços ter naturalmente interesse em que o rating seja o melhor possível de forma a reduzir os respectivos custos de financiamento pelo que as agências de rating podem serão tentadas a atribuir ratings demasiado favoráveis de forma a não perder os clientes. Uma solução seria passar para um modelo de negócio em que os custos dos serviçois das agências de rating fossem suportados pelos investidores, o que contudo levanta vários problemas de implementação. Outra solução seria a decisão de contratar (ou não) os serviços de uma determinada agência de rating deixar de ser tomada pelo emitente, o que, como é óbvio, coloca também problemas nomeadamente num contexto em que as agências de rating são entidades privadas de natureza comercial que visam o lucro.

Porque têm sido criticadas as agências de rating ?

Nos últimos anos as agências de rating tem sido criticadas sobretudo por tenderem a ter uma tendÊncia para atribuir ratings demasiado favoráveis e não os descerem de forma suficientemente rápida (e.g. casos Enron, Bear Stearns, Lehman Brothers e os chamados títulos subprime), o que tem sido relacionado com os conflitos de interesse acima referidos e com a existência de uma relação demasiado próxima entre os analistas e as entidades (e.g., emitentes e bancos de investimento) com um interesse no rating atribuído. Outra crítica, relacionada com esta (mas contraditória com a crítica de que as agências de rating não descem os ratings de forma suficientemente rápida), é o carácter pro-cíclico dos ratings na medida em que estes tendem a melhorar quando a conjuntura económico-financeira é positiva e a deteriorar-se quando esta conjuntura é adversa gerando um efeito de feed-back que amplificaria a volatilidade dos mercados financeiros e do ciclo económico. Note-se, contudo, que este efeito é de algum modo inerente ao facto de que, pelo menos em média, a capacidade de pagamento das entidades melhorar (piorar) quando a conjuntura económico-financeira é mais (menos) favorável.

Porque não criar uma agência de rating europeia ?

Um dos problemas do sector das agências de rating é a sua excessiva oligopolização ou seja concentração num reduzido número de agências (na prática o mercado é dominado por três entidades: a Standard & Poors, a Moody's e a Fitch). Desse ponto de vista seria conveniente a criação de mais entidades neste sector que permitissem um aumento da concorrência (o que, contudo, poderia execerbar os conflitos de interesse referidos anteriormente). Note-se, no entanto, que um rating só tem utilidade se for credível e essa credibilidade depende da reputação da entidade que o atribuí pelo que existem consideráveis barreiras à entrada neste sector. Uma agência que fosse - justa ou injustamente - percebida como estando condicionada por interesses políticos dificilmente seria credível e aceite pelos mercados (como, a seu modo, João Pereira Coutinho aqui bem salienta).

As agências de rating são condicionadas pelos interesses anglo-saxónicos?

Uma "teoria" que tem surgido com recorrência no espaço mediátrico seria a de que as agências de rating seriam "instrumentos" dos "americanos" para garantir a supremacia do dólar e enfraquecer o euro. Teoria em que sinceramente tenho a maior das dificuldades em acreditar até pela simples razão de que na actual conjuntura uma crise da zona euro que potencialmente pode corresponder a um episódio Lehman Brothers versão 2 poderia facilmente degenerar numa recaída numa situação de recessão mundial que não interessará a (quase) ninguém e muito menos às autoridades dos EUA. Pelo contrário, na actual conjuntura um dólar relativamente (mas não excessivamente) fraco até seria positivo para os EUA na medida em que facilitaria o seu próprio processo de reajustamento económico. Dito isto, deve reconhecer-se que os americanos sempre foram intelectualmente mais cépticos do que os europeus quanto à bondade e sustentabilidade do projecto do euro o que no entanto pode ser facilmente explicado por - comparativamente com os  europeus - tenderem a sobrevalorizar as dificuldades económicas (que resultam da zona euro não constituir uma zona monetária óptima) e a subvalorizar os aspectos políticos do projecto de construção europeia.

Nota: Sobre este assunto recomendo a leitura deste relatório da SEC sobre o papel das agências de rating nos mercados financeiros.



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