Esse foi o desabafo do senhor Rossano Soldini, presidente da Associação dos Produtores de Calçados da Itália. Os calçadistas italianos não agüentam mais a competição da Ásia e prognosticam onda de desemprego no setor e nas atividades satélites.
Não é para menos. Logo após a suspensão do sistema de cotas da União Européia, a entrada de sapatos asiáticos foi arrasadora. As importações italianas em 2005 aumentaram 700% em relação a 2004. Se nada for feito, Soldini acredita que, em dois anos, pouco restará dos atuais 720 produtores de calçados da Itália e dos 8 mil empregos diretos, sem falar nos 25 mil indiretos.
O quadro brasileiro é semelhante. Além de afetarem as vendas externas, os calçados chineses já afetam o mercado interno. Em 2004, o Brasil importou cerca de 6,6 milhões de pares de sapatos da China - o que já era muito; em 2005, esse número saltou para 13 milhões. No mesmo ano, nossas exportações caíram 11% em relação a 2004. Em 2006 poderão cair 26% adicionais.
É impressionante. A China produz cerca de 7,7 bilhões de pares de calçados por ano - quase 60% da produção mundial. Suas vantagens comparativas são conhecidas: juros, tributos e salários baixíssimos, jornadas longas e subsídios de toda a espécie. Não é a toa que a Azaléia deslocou uma de suas fábricas do Rio Grande do Sul para a China, para continuar vendendo no mercado americano.
Em 1985 o Brasil exportou para os Estados Unidos cerca de 113 milhões de pares de sapatos e a China apenas 21 milhões. Em 2005 a exportação do Brasil foi de 122 milhões de pares e a da China foi de quase 2 bilhões - um crescimento vertiginoso. Ou seja, depois de 20 anos, nossas vendas para os americanos estão na mesma e as da China explodiram.
O enfraquecimento das exportações brasileiras e a aceleração das importações de calçados têm causado grandes estragos nas empresas e nos empregos. Em 2005 foram fechadas cerca de 60 fábricas e extintos 25 mil empregos diretos. Só em Franca, perderam-se 5 mil empregos -, quase 20% da mão-de-obra do setor. No Vale dos Sinos, foram destruídos mais de 13 mil postos de trabalho. Como a cadeia produtiva é enorme, a perda de 25 mil empregos diretos provoca um grande impacto nos empregos indiretos e na economia das comunidades calçadistas. É sempre preocupante quando a extinção de postos de trabalho atinge os setores de bens não duráveis porque eles respondem por 54% do emprego industrial.
O problema do setor e calçados é de extrema complexidade. A combinação de dólar baixo, imposto alto, juros obscenos e encargos trabalhistas exorbitantes, está sendo letal para a competitividade da maioria das empresas. É pena ver isso acontecer depois de tantas conquistas tecnológicas e da alta qualidade do calçado brasileiro.
Os empresários partiram para novas estratégias como, por exemplo, a de vender "moda". Ocorre que a China também investe em beleza. A própria Itália vem sendo afetada pela entrada maciça de sapatos chineses com estilo italiano. É pouco provável que essa estratégia renda muito mesmo porque nossos preços estão 30% acima da concorrência mundial.
Recentemente, os calçadistas passaram a pleitear do governo: (1) ressarcimento dos créditos de PIS, COFINS e IPI que está atrasado um ano; (2) restituição dos créditos de ICMS oriundos das exportações; (3) elevação da tarifa externa comum no Mercosul para 35%; (4) repressão severa às práticas de sonegação, contrabando e pirataria; (5) e, finalmente, uma salvaguarda em relação à importação de sapatos chineses. Os produtores de calçados esperam o mesmo tratamento dado aos têxteis, cuja exportação chinesa foi reduzida por meio de acordo voluntário.
Há providências adicionais de igual importância e que estão fora do alcance dos empresários. Uma delas diz respeito às exageradas despesas de contratação do trabalho; outra se refere à sangria tributária, sem falar, é claro na obscenidade dos juros.
Numa quadra em que as exportações do Brasil em geral vêm brilhando, é importante não descuidar dos setores mais frágeis que geram muito emprego. A perda de mão-de-obra qualificada neste momento constitui um sério prejuízo para a retomada da produção e das vendas em futuro próximo além de gerar uma grave deterioração das condições de vida dos trabalhadores e das comunidades envolvidas. Ninguém espera que o governo monte um hospital para as empresas em dificuldade. Mas ninguém deseja tampouco que as autoridades ignorem os problemas de um setor tão importante para o emprego e para a renda no interior do Brasil.