Razões da estagnação industrial
Economia

Razões da estagnação industrial


A produção industrial caiu 6% nos dois últimos trimestres. Este desempenho não levanta nenhum pergunta intelectualmente estimulante. Num país em que consumo e investimento têm caído, enquanto as exportações industriais seguem fracas, qualquer sinal de vida manufatureira deveria ser saudada com um autêntico milagre.

Bem mais interessante (e muito mais relevante para o que nos espera), porém, é entender o motivo da virtual estagnação do setor entre o final de 2010 e meados de 2014. À parte flutuações relativamente modestas da produção, a verdade é que o nível observado no meio do ano passado é praticamente indistinguível do registrado quatro anos antes (ver abaixo).



Não foi por falta de medidas para estimular a demanda, adotadas com o fim explícito de reverter a estagnação industrial. Além dos incentivos ao consumo em geral, a “Nova Matriz Macroeconômica” se caracterizou por um conjunto de políticas que privilegiou o setor.

Desoneração tributária, créditos subsidiados, expansão do gasto público, redução da taxa de juros e, entre 2011 e meados de 2013, forte intervenção no mercado de câmbio no sentido de enfraquecer o real frente ao dólar, foram os principais instrumentos utilizados para este fim, sem qualquer sinal de sucesso.

Ainda que se possa discutir se as coisas teriam sido ainda piores na ausência destas políticas, parece claro que há mais por detrás do medíocre desempenho industrial do que a suposta fraqueza da demanda, seja doméstica, seja externa.

Houve, em particular, um desenvolvimento que parece ter afetado de forma negativa o setor e do qual se fala muito pouco. Dados do IBGE revelam que os salários reais pagos na indústria, em particular na indústria de transformação, têm superado persistentemente o crescimento do produto por hora trabalhada (“produtividade”), pelo menos desde o final de 2010.

Caso salários aumentem, digamos, 10%, mas cada trabalhador gere também 10% adicionais, o custo do trabalho por unidade produzida (“custo unitário do trabalho”, CUT) ficaria inalterado. Quando, porém, o salário real cresce à frente da produtividade o CUT sobe, reduzindo a competitividade e, portanto, as margens do setor. Segundo nossas estimativas, o CUT, depois de cair 5% entre 2001 e 2010, aumentou 16% desde então.

Em trabalho recente com Henrique Daniel estimamos que algo como 40% do desempenho da indústria pode ser explicado em função do comportamento do CUT, que se configura como seu principal determinante, à frente da demanda interna, das exportações (e preços) de produtos manufaturados, bem como da taxa de câmbio. 

Posto de outra forma, as políticas de estímulo à demanda no contexto de uma economia operando próxima ao pleno-emprego levaram a aumentos salariais incompatíveis com a expansão da produtividade na indústria, ou seja, à elevação desmesurada do CUT e, ironicamente, à estagnação industrial. Tais políticas resultaram da incompreensão acerca da natureza do processo acima descrito.

Se nosso diagnóstico estiver correto, a recuperação da indústria passará inicialmente, pela queda do salário real e, mais à frente, pelo aumento da produtividade. Sem isto, políticas de expansão da demanda voltarão a bater em velhas barreiras, sem condições de promover o desenvolvimento industrial no país.



(Publicado 10/Jun/2015)



loading...

- Batalha Naval
Os 18 leitores já perceberam que tenho uma modesta diferença com a equipe econômica no que diz respeito à política adotada há algum tempo no Brasil: eles a consideram genial, um modelo de como gerir o país no contexto de um mundo instável; eu,...

- Saudades Dos Anos 80
Eu até poderia me surpreender, mas, como economista trabalhando no Brasil há mais tempo do que quero confessar, sinto que não tenho este direito. Mesmo assim, quando líderes empresariais vêm a público pedir o fechamento da economia brasileira às...

- Impactos Da Crise
Não é segredo que a indústria foi quem mais sentiu o impacto da crise externa e persistem dúvidas acerca da sua capacidade de recuperação neste ano. Isto dito, para sabermos o que esperar quanto ao desempenho futuro da produção industrial é primeiro...

- O Preocupante Quadro Da Indústria Brasileira
O gráfico abaixo mostra a evolução da produção industrial brasileira e mundial ao longo dos últimos anos, ambas com ajuste sazonal. Para fins de comparação, as séries foram devidamente transformadas e têm o mesmo ponto de partida, em janeiro...

- A Indústria E O Pib De 2014
Ricardo Lacerda O IBGE apresentou na última sexta-feira o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil de 2014, já na nova metodologia que toma 2010 como ano de referência para definir os pesos setoriais. Com as mudanças realizadas, foram revistas as taxas...



Economia








.