Pagando a dívida
Economia

Pagando a dívida


Fiquei devendo nos comentários ao post anterior a referência a um texto do Krugman sobre metodologia. Trata-se do “The Fall and Rise of Development Economics”, que foi publicado, acredito, em um livro homenageando o Albert Hirschman (eu acabei pegando este ensaio por acaso – havia uma cópia abandonada entre as várias que ficavam disponíveis no departamento em Berkeley). Achei há pouco (viva o Google!) uma cópia eletrônica em http://web.mit.edu/krugman/www/dishpan.html. Recomendo fortemente.

Neste ensaio, a pretexto de examinar a questão da teoria do desenvolvimento, o Krugman faz uma defesa muito lúcida do uso de modelos em economia. Mais especificamente, segundo a visão dele, a teoria do desenvolvimento nos anos 50 não foi para frente (entrou, como diz, num beco sem saída intelectual) porque não conseguiu modelar seus insights. E não teria sido por falta de tentativa, nem por falta de inteligência.

Simplesmente a modelagem do desenvolvimento requeria uma capacidade de tratar economias de escala no contexto de uma formulação matemática, que, como se sabe, não é consistente com o caso de equilíbrios competitivos (tudo bem, dá para pensar em externalidades, mas não é bem o caso em questão). A solução do problema teve que esperar até que economistas desenvolvessem técnicas (nos anos 70 e começo dos anos 80) que permitissem construir modelos equilíbrio geral de competição imperfeita (Dixit-Stiglitz, Lancaster, e outros) nos quais fosse possível incluir os insights da teoria do desenvolvimento.

No entanto, enquanto isto não acontecia, os mais impacientes decidiram abandonar a modelagem – não necessariamente por preguiça ou incapacidade intelectual -, e usar metáforas que, no dizer do Krugman, são também modelos, mas heurísticos. Ao final da história, todos nós usamos modelos, mas apenas alguns sabem disso (e de suas vantagens e limitações), enquanto outros preferem ignorar o fato e fingir (ou acreditar) que tratam diretamente da realidade, sem nenhuma mediação.

Os heterodoxos brasileiros estão no segundo campo. Pode até ser que haja gente trabalhando nestas áreas hoje, mas, se houver, é fenômeno recente. A imensa maioria de marxistas e keynesianos de quermesse foge de modelos com o vigor do diabo diante da estrela de David (tá, não é, a rigor, um símbolo religioso como a cruz, mas vou ficar mais perto das minhas tradições).

Confrontados com modelos a conversinha é sempre a mesma: “irrealismo das hipóteses”, “reducionismo das relações sociais a equações”, como se fossem iluminados que conhecem diretamente a realidade e não precisassem de instrumentos simplificadores para apreender a complexidade. Estão apenas se enganando, quando não enganando seus leitores e alunos. Usam metáforas quando imaginam estar falando da realidade.

De qualquer forma, sugiro mesmo aos interessados o belíssimo ensaio do Krugman. Não percam.

P.S. Mais dois do Imperador hoje!



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