Ousando dizer seu nome
Economia

Ousando dizer seu nome


Não tenho como hábito responder a pessoas com problemas para soletrar, mas o artigo de Luiz Antonio de Oliveira Lima no Valor Econômico (“Friedman, metas de inflação e o Coelhinho da Páscoa”, 20/07/2007) – seja por seus erros conceituais, seja pelo que revela acerca das idéias “desenvolvimentistas” – bem que vale um comentário, em particular porque Lima é membro da lendária tribo que acredita que uma inflação mais alta pode, de fato, acelerar o crescimento.

Lima cita até dois ou três trabalhos que supostamente apoiariam esta tese, convenientemente deixando de lado apenas toda a experiência de gestão de política monetária que, ao aceitar a noção que inflação não gera crescimento, produziu o que veio a ser conhecido como “A Grande Moderação”, isto é, o período de prosperidade e estabilidade mais longo dos últimos 50 anos. Ignora também toda literatura empírica de crescimento econômico que jamais achou uma relação positiva entre estas variáveis.

À parte a insistência na crença que a inflação pode acelerar o crescimento, meus comentários se concentram em dois dos pontos levantados por Lima. O primeiro diz respeito à sua crítica ao conceito da NAIRU (taxa de desemprego que não acelera a inflação), a qual, segundo os trabalhos citados, é difícil de ser estimada, reduzindo sua confiabilidade como guia de política monetária. Trata-se, porém, de uma crítica, ao mesmo tempo, fácil e equivocada.

É fácil porque vale para toda e qualquer variável macroeconômica, geralmente muito bem definida no plano teórico, mas cuja contrapartida empírica costuma padecer de sérios problemas. Por exemplo, embora a noção teórica do PIB seja muito precisa, a medida empírica desta variável é complicada, para dizer o mínimo, como atesta a revisão recentemente promovida pelo IBGE. Assim, se fôssemos levar a lógica limenha a sério, deveríamos também abandonar o conceito de PIB, dado que a medida empírica não é estável (portanto não-confiável), ao invés de usá-la sabendo das dificuldades que a cercam. Será que Lima sugere que paremos de usar o PIB na análise econômica?

O outro tema refere-se à sua crença que “qualquer análise de política econômica baseada em um modelo tão simples como a ‘hipótese aceleracionista’ é epistemologicamente inadequada para descrever fenômenos tão complexos como os de mercado”. Esta é uma posição bastante comum (e bastante errada) em certa escola de “pensamento” econômico: se a teoria não for tão complexa quanto a realidade, ela será “epistemologicamente inadequada”. Segundo esta visão, apenas mapas do tamanho do Brasil podem representar o país de forma “epistemologicamente adequada” (coitado do motorista que só quer saber onde a estrada vai dar).

Obviamente, a questão não é se o modelo é “simples” ou “complexo”, mas sim saber se o modelo produz bons resultados em termos de previsão e gestão. Voltando à “Grande Moderação”, as evidências sugerem que os modelos simples, baseados na idéia que os trabalhadores sabem distinguir a inflação do reajuste real de salários, possibilitam uma boa gestão de política monetária, expressa em inflação baixa e crescimento estável.

Erros à parte, todavia, resta um mérito inédito: ao contrário do desenvolvimentismo que não ousa dizer seu nome, Lima admite crer que a aceleração do crescimento requer mais inflação. É preciso coragem para sair deste armário; e falta de preparo para entrar nele.

(Publicado 8/Ago/2007)



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