Fabio Giambiagi, especialista em Finanças Públicas, hoje no O GLOBO.
Lester
Thurow, antigo professor do MIT, dizia que "as sociedades têm uma
tendência a cometer erros fundamentais a intervalos de 60 anos, uma vez que
todo mundo com idade bastante para se lembrar do engano anterior a essa altura
já está morto ou senil". Já nosso Ivan Lessa disse a mesma coisa, mas com
outra métrica, quando escreveu que "de 15 em 15 anos, o Brasil se esquece
do que aconteceu nos últimos 15 anos".
Independentemente
do intervalo de tempo em que as sociedades esquecem o passado, é natural que
aqueles que vivenciamos as agruras dele observemos o presente com olhos
diferentes daqueles que só conhecem o passado pelos livros de História. E,
nesse sentido, para os mais velhos, a trajetória recente do nosso balanço de
pagamentos é bastante preocupante.
É
verdade que o funcionamento da economia em um regime de câmbio flutuante é
muito diferente da forma em que uma economia opera com câmbio fixo ou rígido.
Basicamente, com câmbio flutuante, na presença de uma desvalorização entram em
jogo estabilizadores automáticos que não estão presentes quando a política
cambial é rígida. Primeiro, pela mudança da paridade cambial em si, que altera
os preços relativos de exportações e importações e modifica com o passar do
tempo o resultado da balança comercial. E, segundo, porque enquanto que numa
economia com câmbio fixo ou semifixo, há um certo valor em US$ de diversos
itens da despesa, com câmbio flutuante tal valor é uma função da própria
cotação cambial. Um exemplo simples ajuda a entender isso: se há R$ 30 bilhões
a serem remetidos por conta de lucros e dividendos a uma cotação de R$ 2 por
dólar, a remessa dessa rubrica será de US$ 15 bilhões, mas, se a cotação pular,
só como hipótese de raciocínio, para R$ 3, o mesmo valor na moeda local, se
medido em dólares, passa a ser de US$ 10 bilhões.
De
qualquer forma, qualquer que seja a política cambial, desequilíbrios elevados
na conta corrente de um país submetem este a um risco importante: o de o
financiamento externo "secar". Nesse caso, o país terá que se
ajustar, tão rapidamente quanto for a intensidade do movimento da conta de
capitais.
O
que nos mostram os números? Vejamos a trajetória do déficit em conta corrente
do país. Até 2007, tinhamos um pequeno superávit. Em 2008, tivemos um déficit
de US$ 28 bilhões, contido no ano seguinte para US$ 24 bilhões por conta da
crise. Depois, ele só fez aumentar, chegando a US$ 54 bilhões em 2012, com
perspectiva de chegar perto de US$ 80 bilhões em 2013.
Esses
números, que em épocas anteriores teriam ligado o sinal vermelho da política
econômica, são vistos com tranqüilidade tanto pelos gabinetes oficiais como por
analistas privados, com dois argumentos. Um, de que haveria financiamento
externo disponível. E o segundo, de que em termos relativos seria da ordem de
3% do PIB - percentual considerado aceitável. O problema é que ambos argumentos
têm sua dose de vulnerabilidade. O financiamento externo existe até que deixa
de existir - e, muitas vezes, isso ocorre subitamente. E o percentual do déficit
é ele mesmo função da taxa de câmbio: se a fonte externa de recursos secar e o
câmbio se desvalorizar, o valor do PIB em US$ cai e 3% do PIB podem virar 4% do
PIB em pouco tempo - entrando em terreno mais delicado. Além disso, o déficit
em dólares continua aumentando.
O
país, que fez um ótimo ajuste externo na década passada, a ponto de ter
eliminado a dívida externa líquida, parece ter se deixado seduzir pelo
"canto de sereia" do financiamento externo. Tomás Eloy Martinez,
autor de "La novela de Perón", coloca em boca deste a frase que ele
teria dito ao afirmar que "a História é uma piranha", pois
"sempre fica com quem paga mais". E quem paga mais é sempre o último,
porque o relato que conta na História é sempre o derradeiro. Desde 2004, a
demanda doméstica avançou na frente da produção, "festa" essa
financiada pelo resto do mundo. Se essa relação não for revertida, cedo ou
tarde teremos uma crise. O Governo precisa tomar cuidado: se o financiamento
externo "secar", a história das gestões Lula-Dilma acabará sendo
reescrita - e, se tanta gente foi para a rua mesmo com desemprego baixo, dá
para imaginar o tamanho da confusão se tivermos uma crise para valer.
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