O verdadeiro monstro: o sector da construção
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O verdadeiro monstro: o sector da construção


Na edição do jornal Público de ontem, segunda-feira, dois especialistas (Luís Valadares Tavares e Manuel Victor Martins) responsáveis pela selecção dos investimentos do PIIP (que pode ser consultado aqui) justificam as suas escolhas. Candidamente, admitem que a selecção teve como um dos principais objectivos a "conservação de emprego". Segundo Victor Martins:
"Este programa [PIIP] é importante porque conserva empregos. Conservar empregos em Portugal é absolutamente necessário porque o desemprego já é um dos problemas do desequilíbrio das finanças públicas, designadamente na conta da segurança social."
E mais à frente:
"Um grande sector de emprego é a construção, aí [o PIIP] significa manter emprego particularmente nas obras públicas. Conserva também empregos na área do turismo, da reabilitação urbana. Aí há emprego que é emprego tradicional, não muito qualificado."
O sector da construção tem enorme peso em Portugal e, como é sabido, tem beneficiado (e provavelmente tem também influenciado) das decisões de investimento público. Basta lembrar as grandes infraestruturas viárias, a Expo 98 (que, sob a capa da importância estratégica dos oceanos - objectivo rapidamente esquecido - constituiu uma grande operação imobiliária), os estádios do Euro 2004.

A dependência em que o país se encontra deste sector é muito preocupante, por várias razões:
  • é um sector pouco qualificado em termos de capital físico e humano;
  • não é inovador, nem em tecnologias nem em processos;
  • é altamente consumidor de recursos não renováveis: pedras, areias, argilas, combustíveis fósseis;
  • desperdiça recursos: quase não há manutenção e recuperação de edifícios nem reciclagem de materiais;
  • produz um bem não-transaccionável, o que significa que isola o país dos efeitos benéficos da concorrência;
  • fomenta um mercado oligopolista, quer em termos nacionais (poucas empresas para os mega-projectos) quer locais (autarquias prisioneiras das empresas que conseguem suportar os seus tradicionais pagamentos em atraso);
  • é um sector empresarial onde domina a atitude "rent seeking": veja-se como foram seleccionadas as empresas que construíram os estádios do Euro 2004.
  • O sector da construção é pois um verdadeiro "monstro" que tem o país aprisionado no seu labirinto: suporta um grande volume de emprego ineficiente (relativamente a outras possibilidades de investimento) que serve depois como justificação para novos investimentos, como é admitido pelos especialistas referidos.

    Tudo indica que estes técnicos receberam do governo, como uma das condicionantes da selecção de investimentos, a manutenção de empregos. Pode ser uma boa decisão do ponto de vista do ciclo eleitoral, para o governo, mas pode ser um erro colossal, a médio e longo prazo, para o país: em lugar de se aproveitarem as oportunidades de investimento em sectores inovadores e abertos à concorrência externa, canalizam-se os recursos para a manutenção de emprego relativamente ineficiente.

    Eis portanto uma política puramente keynesiana, votada ao fracasso pois o país já nem sequer possui as fronteiras comerciais nem os mecanismos de política económica que poderiam justificar uma orientação estratégica autónoma.


  • Luís Valadares Tavares foi agraciado com o galardão Ignóbil do Canhoto pela realização de um "estudo sobre o insucesso escolar [que] deveria ser utilizado em todos os cursos de ciências sociais e de estatística, como exemplo pedagógico de erros de palmatória nos planos técnico e interpretativo".

  • Victor Martins coordenou a equipa que "avaliou" o impacto económico do Euro 2004 (ver o relatório ou a síntese) que concluiu que "o impacto no PIB não é significativo, como já se esperava. Contudo, dada a situação recessiva da economia, neste período, o impacto não pode ser considerado negligenciável". O período analisado foi 2002/2004, e o emprego associado foi:
    2002 -7.873
    2003 -23.618
    2004 -7.873

    É curiosa a coincidência do número de empregos em 2002 e 2004, coincidência que também ocorre com o "incremento da produção associada ao Euro 2004": exactamente 381,2 milhões de € em cada um daqueles anos, revelando a natureza meramente estimativa dos valores, apesar do relatório (muito laudatório e wishfull thinking) ter sido elaborado posteriormente ao evento.

    Entre os objectivos "propostos" e "atingidos" pelo Euro 2004 o Relatório elenca:
  • captação de novos públicos para a cultura;
  • divulgação de novas criações e produções artísticas nacionais e internacionais;
  • implementação de uma rede de criação, produção e programação cultural à escala nacional;
  • promoção de orgulho cívico e auto-estima
    (pág. 61 do relatório)



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