Economia
O tango chinês e o samba do crioulo doido
Recebi um pedido na caixa de comentários para analisar o artigo “Câmbio: lições da história, tangos, aranhas e leões”. Trata-se de uma bela coleção de barbaridades, mas, confesso, ando sem tempo de examinar cada uma das bobagens lá proferidas (talvez faça aos poucos, pegando um ponto de cada vez). De qualquer forma, leiam o seguinte trecho da obra-prima:
“A fim de reduzir o imenso desequilíbrio externo, os EUA têm adotado nos últimos anos uma estratégia de desvalorização do dólar como forma de defesa à política cambial chinesa. Num gráfico temporal, as duas moedas descrevem
trajetórias idênticas [grifo meu], como se estivessem dançando um tango.”
Achei a afirmação algo bizarra e explico abaixo o porquê.
Caso tracemos o desempenho do dólar contra, digamos, o euro, ou (como prefiro) uma cesta de moedas (o DXY, que contém o euro, o iene, a libra, o dólar canadense, a coroa sueca e o franco suíço), e o desempenho do yuan contra o dólar, veríamos o tango chinês expresso em trajetórias similares, mas, como se pode ver abaixo, este não é certamente o caso.
Assim, entre 2002 e meados de 2005 o dólar se depreciou (números mais baixos do DXY significam enfraquecimento do dólar frente à cesta e vice-versa), enquanto o yuan se manteve fixo com relação ao dólar. De meados de 2005 até o terceiro trimestre de 2008 o yuan se apreciou relativamente ao dólar (algo em torno de 17%), enquanto o dólar seguiu se depreciando contra a cesta, embora a um ritmo certamente menos intenso do que antes. Por fim, da crise para cá o dólar, flutuações à parte, se fortaleceu, enquanto o yuan permaneceu constante. Se estiverem dançando um tango, então um ouve Carlos Gardel e o outro Astor Piazzola.
Outra interpretação consistiria em olhar o desempenho do dólar contra a cesta de moedas e do yuan contra a mesma cesta, mas, como na maior parte do tempo o yuan está fixo contra o dólar, por construção o comportamento seria o mesmo (à exceção do período 2005-2008, que mostraria uma menor depreciação do yuan contra a cesta, já que estava se valorizando relativamente ao dólar). Isto é, as tais trajetórias idênticas nada mais seriam do que a expressão do câmbio fixo entre China e EUA. Caso prefiram outro exemplo, seria o mesmo que dizer que o euro alemão e o euro francês têm trajetórias idênticas relativamente ao dólar!
Assim, temos duas possibilidades de interpretação da passagem selecionada: numa interpretação as tais “trajetórias idênticas” não existem; na segunda temos apenas a expressão do “peg” entre o yuan e o dólar em termos de uma terceira moeda (ou moedas), ou seja, um raciocínio circular elevado à categoria de achado empírico. Em nenhum destes as conclusões sobre a qualidade da análise seriam particularmente elogiosas. Alguém ainda se surpreende?
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