O regime de metas para inflação agoniza
Economia

O regime de metas para inflação agoniza


Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, foi presidente do Banco Central e é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo, escreveu hoje no VALOR ECONÔMICO que “o regime de metas para inflação agoniza”.



Com a surpreendente decisão de reduzir os juros em meio ponto percentual, o Banco Central subverteu alguns princípios basilares do regime de metas para inflação. Esse regime, como se sabe, implica que o BC, embora possuindo autonomia operacional em relação aos agentes políticos, tenha “discricionariedade limitada” na política monetária. A limitação na discricionariedade do BC vem não apenas da própria meta numérica — que deve ser observada pelo BC, embora não seja por ele fixada — como também da transparência de que deve se revestir a execução da política monetária. Por isso a importância da “ritualística” das reuniões pré-agendadas do Copom, da divulgação periódica das atas dessas reuniões e dos relatórios de inflação, do comparecimento regular dos dirigentes do BC ao Congresso, etc. No regime de metas, domina o pressuposto básico de que as expectativas são importantes e que cabe ao BC coordená-las, utilizando meios de comunicação transparentes.



Ora, na decisão da semana passada, quase nada disso foi observado. O BC surpreendeu o mercado, de forma mais ou menos gratuita. Não se configurava uma situação excepcional em que o BC pode (e em algumas vezes deve) surpreender ou se contrapor às expectativas de mercado. Ao contrário, as expectativas sobre a decisão do BC estavam “ancoradas” na manutenção dos juros, o que se alinhava com toda a comunicação anterior, formal ou informal, do BC com os agentes econômicos. Nada indicava que o Copom tivesse como cenário básico um choque desinflacionário vindo do exterior que demandasse o imediato afrouxamento monetário no Brasil.



Longe disso. Não apenas os números, efetivos e projetados, da inflação doméstica continuavam muito fora da meta, como também a tônica das manifestações do BC levava a crer que sua visão do balanço de riscos colocava ainda peso maior no risco inflacionário, a exigir, portanto, uma política monetária relativamente mais apertada. Vale ressaltar, a propósito, que a recente decisão do Copom foi a primeira vez, no regime de metas, que o Comitê reverteu o sinal do movimento dos juros de uma reunião para outra, sem um período transicional mínimo.



A desobediência à ritualística mínima é sinal de que tal regime não mais será observado na prática



De forma inusitada, aliás, quem fez um esforço de coordenar as expectativas foi a própria presidente da República que, na véspera da reunião do Copom, admitiu a possibilidade de redução das taxas de juros, a partir do aumento da meta fiscal para 2011.



Lastimavelmente, a manifestação da presidente, antecipando o corte das taxas, acabou por lançar dúvidas sobre a autonomia operacional do BC, pressuposto fundamental para o funcionamento do regime de metas para a inflação.



Portanto, a derrubada dos juros acabou por ter consequências muito além de seus efeitos sobre a inflação e as expectativas. A desobediência à ritualística mínima do regime de metas inflacionárias pode ser entendida como sinal de que tal regime não mais será observado na prática, já que o BC teria adquirido “discricionariedade ilimitada” ou, na hipótese pior, teria deixado de ser operacionalmente autônomo na execução da política monetária. Em ambas as situações, as consequências da decisão do Copom sobre a funcionalidade do regime de metas no futuro são graves, mesmo se “ex-post” a avaliação prospectiva do cenário macroeconômico pelo BC vier a se mostrar correta.



Adicionalmente, não sendo bastante o atropelamento das expectativas pelo BC, o cenário com o qual a instituição justifica o corte da taxa de juros se mostra muito pouco provável, embora, evidentemente, não se possa atribuir a ele uma probabilidade igual a zero.



O longo comunicado divulgado pelo BC após a reunião do Copom menciona como razão principal para sua decisão a “substancial deterioração” do cenário internacional que manifesta viés desinflacionário “no horizonte relevante”. Essa piora do ambiente externo, na visão do BC, intensificará o processo em curso de moderação de atividade doméstica, o que melhora o balanço de riscos para inflação, ajudado ainda pela revisão do cenário da política fiscal. Assim, o corte de juros seria uma forma de mitigar tempestivamente os efeitos de um ambiente global mais restritivo.



Ocorre que esse não é o cenário mais provável. Embora se possa esperar crescimento muito modesto das economias desenvolvidas em 2012, tal cenário não deve provocar efeitos desinflacionários relevantes sobre o Brasil, onde a demanda doméstica sustenta a atividade econômica. Além disso, a moderação na atividade hoje observada ainda é muito leve para trazer a inflação de volta a um patamar compatível com a meta de 4,5% em 2012. Por sua vez, com relação à “revisão do cenário fiscal”, a proposta de orçamento para 2012, divulgada no mesmo dia da decisão do Copom, deveria levar o BC a ser mais conservador na política monetária e não o contrário, pois prevê queda relevante do superávit primário em relação ao ano anterior (2,5% contra 2,9%).



Pelas razões acima apontadas, o regime de metas para inflação encontra-se num momento crítico no Brasil. È uma triste constatação, principalmente porque, da chamada “tríade” da estabilidade macroeconômica resta pouco: o câmbio é cada vez menos flutuante e a política fiscal, cada vez menos superavitária.




loading...

- Non Ducor, Duco
O Ministro da Fazenda anunciou que modificará a contabilidade do setor público. Fiel ao seu estilo, as intenções de mudanças foram anunciadas antes que algo de concreto pudesse ser mostrado, mas, aparentemente, há a intenção de migrar do atual...

- 196ª Reunião Do Copom: 19 E 20/01/2016 - 14,25% A.a., Sem Viés.
Na torcida para que a previsibilidade do Copom seja o que temos de melhor para a nossa claudicante economia, lemos na Ata da 196ª reunião do Copom: 28. Diante do exposto, avaliando a conjuntura macroeconômica e as perspectivas para a inflação,...

- Alexandre Tombini: Nos 50 Anos Do Bacen, O Que Ele Pensa Sobre Regime De Metas Para A Inflação.
Há várias razões para o sucesso do regime de metas para a inflação na crise: · Os bancos centrais descobriram que o regime de metas é realmente útil para passar mensagens claras para o público sobre a necessidade e as condições para a...

- Testando As Crencas.
MARIO MESQUITA, 44, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreveu hoje na FOLHA DE S.PAULO o texto abaixo, onde defende o regime de metas para a inflação. O presidente do banco central chileno, que não é tido no meio como sendo especialmente...

- Juros Caem 0,5 Ponto E Vão A 10,50% Na Primeira Reunião De 2012
Na primeira reunião o Comitê de Política Monetária (COPOM) de 2012 do Banco Central decidiu cortar a taxa básica de juros (a Selic) em 0,5 ponto percentual. Com isso, a taxa passa de 11% para 10,5% ao ano, o menor valor desde junho de 2010 (10,25%)....



Economia








.