O porquê do PIB-piada
Economia

O porquê do PIB-piada



Quando se analisa o conjunto de medidas de política econômica adotadas – de forma algo desconjuntada, diga-se – com o objetivo de acelerar o crescimento, é difícil deixar de notar que este parte da premissa que o crescimento baixo resulta da fraqueza da demanda; portanto, segue o raciocínio, estímulos à demanda farão a economia recuperar o viço perdido.

Este diagnóstico não difere do que embasou as medidas adotadas no período que se seguiu à crise de 2008-09, embora os resultados não possam ser mais distintos: à época o Brasil voltou a crescer aceleradamente passados dois trimestres; hoje observamos dois anos de crescimento medíocre.

O insucesso desta combinação de políticas hoje, à luz do êxito de quatro anos atrás requer uma explicação e acredito que esteja relacionada a limites associados ao lado da oferta da economia, isto é, à nossa capacidade de produção.

Em 2008-09 a crise gerou uma elevação substancial da ociosidade na economia. O nível de utilização de capacidade instalada (NUCI) na indústria despencou (de 83% para 78%), enquanto o desemprego aumentou, ainda que de forma mais moderada, de 7,3% para 8,6%. Sob estas circunstâncias, políticas de encorajamento da demanda são geralmente adequadas, sem entrar no mérito da combinação ideal entre investimento e consumo.

Tais condições, contudo, não são válidas nos período mais recente. Em que pese certa redução do NUCI, não se pode afirmar categoricamente que a economia hoje opere com uma folga extraordinária. Em particular, a evolução do mercado de trabalho sugere precisamente o oposto: a taxa de desemprego está nos menores níveis já registrados pela nova série (desde 2002, é bom reconhecer), apesar do aumento da proporção de pessoas em idade ativa (PIA) que se mostram dispostas a participar desse mercado.

A partir de 2004, quando o Brasil superou as dificuldades associadas à transição política, o crescimento do emprego tem superado sistematicamente o crescimento da PIA, que, aliás, desacelerou um tanto desde então, de patamares entre 1,5% e 2% ao ano para algo como 1% a 1,5% ao ano. Assim a taxa de ocupação (a proporção dos empregados na PIA) se encontra hoje nos maiores valores já observados, em torno de 54%.

De fato, o aumento do PIB nos últimos anos tem se caracterizado mais pela incorporação de trabalhadores ao processo produtivo do que pelo aumento do produto por trabalhador. As estimativas não são as mais confiáveis, é bom que se diga, em face dos grandes choques a que a economia foi submetida nos últimos anos, mas os números indicam que o crescimento da produtividade (ou, melhor dito, sua tendência de longo prazo) tem se mantido na casa de 1,5% ao ano. Já a ocupação cresceu ao redor de 2,5% ao ano, valores consistentes com um crescimento do PIB na faixa dos 4% ao ano.

Não é preciso, pois, muita imaginação para enxergar os limites desta estratégia: ela funciona enquanto o desemprego for relativamente elevado, ou seja, enquanto a mão-de-obra for abundante e puder ser incorporada ao processo produtivo sem grandes aumentos salariais. Quando, ao contrário, reduz-se o contingente de trabalhadores disponíveis o ritmo de expansão convergirá necessariamente para o ritmo de aumento da PIA acrescido do crescimento do produto por trabalhador.

Não estamos ainda neste estágio, mas estamos bem mais próximos dele do que há poucos anos. Vale dizer, nossa capacidade de crescimento é menor do que era entre, digamos, 2004 e 2010. Por outro lado, o governo – seja por suas afirmações, seja, principalmente, por suas ações – parece convencido que o crescimento daqueles anos é novo marco de referência da economia, daí sua insistência nos estímulos ao consumo. E, por conta disso, enquanto não mudar seu foco para uma agenda voltada à produtividade, sofrerá afrontas constantes, como o PIB-piada de 2012.

http://blogs.ft.com/beyond-brics/2012/09/17/brazils-gdp-enters-joke-territory/


(Publicado 3/out/2012)



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