O milagre argentino
Economia

O milagre argentino



A Argentina, para quem não se lembra, é um país ao sul do Brasil, em cuja seleção joga (e muito) o Messi. Bons vinhos, carne de primeira, Astor Piazzola, Quino e (acima de tudo) Jorge Luis Borges são outros motivos para não nos esquecermos dos vizinhos, já que, economicamente falando, poucas sociedades foram mais cuidadosas no sentido de engendrar sua própria irrelevância.

Para quem não se lembra, a Argentina foi também apontada como uma alternativa à política econômica brasileira (não a de hoje, é bom que se diga, mas a adotada até uns anos atrás), em particular suas tentativas de manipulação da taxa de câmbio. Certas correntes de pensamento local, para quem tudo se resume ao câmbio (não, não é um exagero meu), apontavam para o sul como o modelo a ser seguido. Hoje, o silêncio acerca da Argentina ribomba.

Ao contrário do que fazia há tempos, quando tomava medidas para impedir o ingresso de dólares, o governo argentino agora tenta impedir a fuga de capitais, que, pelos números oficiais (sempre um risco), já drenaram US$ 5,5 bilhões das reservas nos últimos 12 meses, uma queda pouco superior a 10%. No contexto brasileiro isto seria equivalente a uma perda da ordem de US$ 35 bilhões o que, não tenho dúvida, já teria colocado boa parte dos nossos keynesianos de quermesse em pé de guerra.

Já a inflação, pouco inferior a 9,5% nos 12 meses até junho, segundo os dados oficiais, é estimada pelo sítio Inflación Verdadera na casa de 40%. Apesar disso, nossos agora emudecidos desenvolvimentistas, quando lembrados dos problemas inflacionários platinos não hesitavam em apontar o forte crescimento argentino como prova definitiva da superioridade da abordagem heterodoxa.

Afinal, a valerem os números do Indec (o IBGE portenho), o crescimento de 2002 para cá, quando a Argentina superou sua crise, o crescimento médio ficou em 7,7% ao ano, apesar da crise internacional de 2009, um desempenho que, se não é chinês, não seria páreo para a maioria países no mundo.

Parece, portanto, que um “poucão” a mais de inflação conseguiria, ao final das contas, comprar um “tantão” a mais de crescimento... Ou não?

Para me certificar sobre a robustez dos números do crescimento argentino resolvi cruzar os dados relativos ao PIB com os associados à geração de energia. Tenho que confessar certo prazer mórbido nessa investigação, mas os resultados foram mais do que interessantes.

Tomados literalmente os dados mostram que em 2004 cada GWh na Argentina correspondia a pouco mais de 12,6 milhões de pesos (a preços de 1993), valor não muito diferente do observado em 2002 e 2003. Ao final de 2011, porém, cada GWh correspondia a 14,9 milhões de pesos, uma melhora de eficiência energética da ordem de 18%!

Neste mesmo período estima-se que a eficiênciaenergética global (PIB/GWh) teria melhorado em torno de 9,5%, pouca mais da metade da evolução argentina. Obviamente, nada impede que o país tenha conseguido uma evolução superior à global; só cá rumino por qual motivo se preocupariam com isso, dado que as tarifas por lá, por conta de controles de preços, não constituem exatamente em incentivo à economia de energia.

De qualquer forma, meu respeito por crenças e crendices não me permite a palavra final sobre o crescimento argentino. Pode resultar da eficiência platina, mas pode também ser apenas mais em efeito colateral da subestimação persistente da inflação. A decisão final é, como sempre, do leitor.

Só noto (resisto a tudo, exceto à tentação) que o silêncio heterodoxo sobre a Argentina é o veredito derradeiro sobre a tal alternativa de política econômica. Caso o desempenho argentino pudesse, ainda que remotamente, ser qualificado como um sucesso, pais não faltariam. A orfandade diz muito sobre o que nossos desenvolvimentistas de fato pensam sobre o que por lá ocorreu nos últimos anos.

¡La garantía soy yo!

(Publicado 18/jul/2012)



loading...

- O Triunfo Da Mediocridade
Houve tempo em que o regime de política econômica no Brasil era bem diferente da desorganização que hoje floresce sob o nome de “nova matriz macroeconômica”. A taxa de câmbio flutuava, o superávit primário realmente existia e o Banco Central...

- ¿y Si?
A pergunta mais importante em Economia é também a mais difícil de ser respondida: o que ocorreria caso, ao invés de adotarmos determinada política A, adotássemos a política B? Esta é também uma pergunta recorrente na vida comum: se tivesse entrado...

- Só Resta Tocar Um Tango Argentino
Na minha última coluna fiz uma breve menção à queda das exportações brasileiras para a Argentina como um dos fatores que piorou o desempenho da indústria nacional a partir do final do ano passado. Parece inusitado, pois, mesmo sendo a Argentina...

- Ilusão Monetária
Os 17 leitores já devem ter percebido minhas obsessões. Uma delas é a implicância com a “análise” econômica que desrespeita os dados. Não são poucos os que formulam uma hipótese sem se dar ao trabalho de verificar se os sinais da realidade...

- A Outra Morte Anunciada
Não foi uma premonição, mas não deixa de ser curioso mencionar os problemas da Argentina numa semana e observar seu Ministro da Economia, Martin Lousteau, renunciar na semana seguinte. Há, diga-se, uma conexão profunda entre estes dois fenômenos...



Economia








.