Ricardo Lacerda
O Brasil vive tempos extraordinários, com imensas oportunidades e algumas incertezas inquietantes. O ciclo expansivo recente, iniciado em 2004, incluiu 17 milhões de trabalhadores no mercado formal, retirou da pobreza extrema mais de 30 milhões de pessoas, elevou o rendimento médio do trabalho e mais do que duplicou o acesso das famílias ao crédito fatores que, no conjunto, propiciaram taxas de crescimento sustentadas que não se viam desde meados dos anos oitenta e que causaram forte ampliação do mercado do interno.
O aspecto inclusivo desse ciclo virtuoso, de sua essência mesmo, pode ser sintetizado no crescimento de maior intensidade nas regiões mais pobres e entre as pessoas de renda mais baixa, diferenciando-se dos ciclos de crescimento dos anos sessenta e setenta. Os programas de transferência de renda também foram importantes nesse aspecto.
Convergência
Levantamento do CPS/FGV, com base nos dados da PNAD, informa que o rendimento per capita domiciliar cresceu 24,4% no Brasil, entre 2001 e 2009, sendo que no Nordeste essa taxa alcançou 43,2%, e no Sudeste, a região mais rica, 16,4%. Ou seja, enquanto o rendimento per capita familiar na média nacional cresceu 2,7% ao ano, o do Nordeste aumentou 4,6%. Sergipe liderou o crescimento entre os estados, com expansão de 58,6%, no período, ou 5,9% ao ano (ver Gráfico 1).
Fonte: CPS/FGV,com dados da PNAD.
Esse ciclo é extraordinário, repito, porque ampliação tão intensa no mercado interno dá uma outra dimensão ao país e cria oportunidades de investimento na expansão e diversificação dos negócios, inclusive nas regiões mais pobres. São mais pessoas consumindo, com emprego mais estável e rendimentos mais elevados (Gráfico 2).
Fonte: Extraído de Ministério da Fazenda. Economia brasileira em perspectiva. 14.
Ed. Especial de fevereiro de 2012, com dados da PNAD.
As oportunidades estão relacionadas, também, à exploração de recursos naturais para a expansão da produção de commodities agrícolas e minerais cujas demandas passam por um longo ciclo de aquecimento associado ao crescimento dos países emergentes puxado, principalmente, pela economia chinesa.
Incertezas
Incertezas relativas a questões externas e internas podem perturbar o ciclo de crescimento, algumas delas mais associadas ao curto prazo e outras a aspectos mais estruturais. No curto prazo, o desafio é manter o crescimento da economia e a inflação sob controle em um cenário de crise prolongada na Europa e de recuperação ainda titubeante da economia americana.
A crise financeira internacional fez com que o Brasil desacelerasse o crescimento anual do PIB de 4,8%, entre 2004 e 2008, para 3,3% nos últimos três anos, enquanto a inflação interna se retraiu entre 2004 e 2006, mas vem aumentado, ainda que sob controle, nos últimos dois anos. Apesar da intensa desaceleração do ritmo de crescimento em 2011, o mercado de trabalho continua aquecido, com intensa geração de emprego formal e a taxa de desocupação se situa atualmente no seu mais baixo patamar.
Limites
O manejo da política cambial e de juros tem se deparado com margens mais estreitas para compatibilizar a adoção de medidas que reanimem o nível de atividade, notadamente no setor industrial que vê o seu mercado doméstico sob ataque enquanto perde competitividade no mercado externo, sem pressionar demasiadamente os preços. Estes são os limites da desvalorização cambial que eleva o preço dos produtos transacionáveis e os da política de redução de juros para evitar que o aquecimento da demanda interna tenha impacto sobre os preços dos serviços.
É inequívoco que, em tais condições, há um trade off, um conflito, entre o objetivo de reanimar o nível de atividade e a evolução dos preços. Ciente dessa limitação, o Ministério da Fazenda lança mão de um leque de ferramentas com impacto menos abrangente, reduzindo custos e aumentando a proteção de setores específicos, mas de efeito relativamente limitado para o conjunto da economia.
Nos últimos meses, o Banco Central atuou mais intensamente sobre o câmbio e sobre os juros por conta da avaliação de que a inflação vai se desacelerar em 2012. É nesse espaço institucional e confirmando seu compromisso com a continuidade do crescimento que evolui a política econômica de curto prazo, navegando nas águas turvas da crise internacional.
As questões de longo prazo são mais inquietantes porque predomina a percepção de que ainda não se está fazendo o bastante para mudar a natureza da inserção externa brasileira, reforçando suas fontes de competitividade na nova etapa que vai se abrir no desenvolvimento mundial. Apesar do esforço de setores do governo no sentido de avançar na pauta do desenvolvimento em áreas como financiamento, educação profissional e do aumento dos investimentos em infraestrutura, que alcançou novo patamar em relação a períodos anteriores, há muito para se esboçar e implementar.
É prudente descontar das avaliações sobre o longo prazo o fato de que as ansiedades do curto prazo contaminam a nossa avaliação sobre o futuro e que após atravessar os momentos mais turbulentos da atualidade, o Brasil adquirirá mais confiança sobre suas possibilidades.
Publicado no Jornal da Cidade em 18/03/2012
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