Economia
Neoliberais e desenvolvimentistas.
Mansueto
Almeida, técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea), no VALOR ECONÔMICO, escreveu sobre “Neoliberais e
desenvolvimentistas.”
É
comum encontrar nas páginas de jornais e em artigos acadêmicos um embate entre
os chamados economistas neoliberais e os desenvolvimentistas. Em linhas gerais,
os neoliberais são taxados de "cabeças de planilha", que acreditam ingenuamente
em um mercado que se autorregula, na abertura comercial, na liberalização do
fluxo de capital e dão importância excessiva aos fundamentos econômicos.
Os
desenvolvimentistas seriam aqueles que acreditam no papel regulador do Estado,
na proteção do mercado para fomentar a indústria doméstica, defendem a redução
da taxa de juros e não veem restrições ao crescimento que não sejam a falta de
ação do governo. A preocupação com os fundamentos econômicos é secundária,
inclusive com a inflação, pois esse grupo acha irrelevante a discussão se a
inflação será, por exemplo, de 6,45% ou 6,75% - a casa decimal pouco importa e,
às vezes, nem mesmo o número inteiro.
O
debate, quando colocado dessa forma extrema, até faz sentido do ponto de vista
acadêmico, mas é pouco construtivo para o debate econômico atual e vários dos
economistas que insistem em caracterizar de maneira caricatural seu suposto
oponente sabem disso.
Um
bom exemplo é o debate em relação à inflação. Em vez da discussão daqueles que
defendem uma inflação de 0 a 3% ao ano, neoliberais, e aqueles que não se
importam com a inflação, desenvolvimentistas, o debate atual é muito mais sutil
e complicado. O que se discute hoje é a velocidade de convergência para a meta
de inflação de 4,5% ao ano e as medidas necessárias para que essa convergência
ocorra.
Alguns
economistas acham que o Banco Central (BC) exagerou no seu cenário catastrófico
da economia mundial, outros acham que o cenário do BC é cada vez mais provável
e há sim uma chance real de o Brasil reduzir os juros. Mas há um quase consenso
que esse esforço de redução do juros só será bem sucedido se acompanhado de
maior responsabilidade fiscal e aumento da poupança pública. Essa tese é
defendida por economistas que se identificam com as duas correntes.
Outro
exemplo é em relação ao crescimento dos gastos sociais. Quando algum economista
identificado com a ala neoliberal sugere o controle do crescimento dos gastos
sociais como forma de reduzir o crescimento do gasto público, economistas
desenvolvimentistas afirmam que seu colega neoliberal está propondo o fim do
estado de bem estar social. Novamente, o debate é mais complicado. No Brasil,
os gastos sociais crescem quase que continuamente desde a Constituição de 1988,
mas é cada vez mais questionável a eficácia distributiva desses gastos e os
desenvolvimentistas sabem disso.
Há,
por exemplo, claras distorções nos gastos com pensão por morte e com
seguro-desemprego, independentemente do debate se o eleitor quer mais ou menos
política distributiva. Acho questionável que o eleitor entenda e queira que uma
pessoa de 80 anos de idade se case com outra de 20 anos de idade e que esse ou
essa jovem usufrua de uma renda vitalícia quando seu parceiro morrer. Da mesma
forma, não é comum que os gastos com seguro-desemprego cresçam mesmo quando o
desemprego diminui como acontece no Brasil. Racionalizar esses gastos tem
adeptos nas duas correntes e, novamente, nenhuma relação com o embate entre
neoliberais e desenvolvimentistas.
Em
relação à falta de recursos para aumentar os investimentos em infraestrutura,
saúde e educação, muitos acham que tudo pode ser "resolvido" com mais
carga tributária. Mas aqueles que defendem essa proposta são grupos cuja renda
depende mais do seu poder de lobby do que da sua produtividade. O problema é
que mais carga tributária, para um país de renda média como o Brasil,
fatalmente comprometerá o crescimento da economia. Novamente, neoliberais e
desenvolvimentistas se colocam, em geral, contra novos aumentos da carga
tributária.
Por
fim, a última edição do índice de competitividade global do World Economic
Forum mostra, mais uma vez, que os maiores problemas de competitividade do
Brasil quando comparado com outros 141 países são: 1) a baixa qualidade da
nossa infraestrutura; 2) elevada carga tributária, 3) excesso de regulação; 4)
baixa qualidade da educação primária, 5) rigidez no mercado de trabalho; 6)
burocracia na abertura de novos negócios, e 7) dívida e spread bancário
elevados. Aumentar o investimento em infraestrutura e melhorar a qualidade da
educação, por exemplo, não tem absolutamente nenhuma relação com o debate
estéril entre desenvolvimentistas e neoliberais.
O
que precisamos saber, por exemplo, é como reduzir o spread bancário, aumentar a
eficiência do estado na execução de obras públicas, melhorar a eficácia dos
gastos sociais, que já são elevados, reduzir as distorções dos gastos com
pensão por morte e as regras de concessão do seguro desemprego. No mundo real,
o governo é mais pragmático e busca a aprovação do eleitor. Se a elevação da
inflação reduzir o índice de aprovação do governo, este voltará a ser mais
"neoliberal". Por outro lado, se a ousadia do Banco Central se
mostrar correta, o governo será mais desenvolvimentista. É "simples"
assim, mas há ainda economistas supostamente maduros que não se cansam de
brincar do bem contra o mal ou da batalha estéril entre desenvolvimentistas e
neoliberais.
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