Economia
Muito mais que um fado
Salvo raras e honrosas excepções, o desempenho dos nossos representantes desportivos a nível internacional, nas mais diversas modalidades mas em especial no futebol, é um verdadeiro repositório de uma enorme colecção de vitórias morais.
Por entre os “quase” tantas vezes invocados e os “se” que nos condicionaram na obtenção de melhores resultados, invade-nos com frequência o sentimento amargo de uma certeza íntima de que poderíamos ter feito algo mais.
Normalmente, claro está, não nos falta a agilidade para encontrar com rapidez um sem número de “bodes expiatórios”, de preferência externos à nossa realidade concreta: a FIFA e seus poderes ocultos, o relvado, o árbitro, a chuva ou o sol, a bola, as atitudes do adversário.
Na prática, nada de muito diferente do que se passa nos demais sectores de actividade e, em concreto, nas esferas económica e governativa.
Em verdade, não fosse tal rótulo poder ser interpretado como uma ofensa para um sem-número de nossos antepassados e contemporâneos que “da lei da morte se vão libertando” e quase poderíamos afiançar que esse espírito de Calimero nos estaria fatalmente intrincado nos genes.
Ainda assim, enquanto grupo / comunidade / Nação, não creiam que essas aparentes fragilidades emocionais e o espírito solidário que revelamos em tantas outras circunstâncias nos amolecem o juízo no que toca a apurar as responsabilidades próprias na menor qualidade do desempenho face às expectativas, bem mais do que face às potencialidades reais dos ditos representantes lusitanos.
Neste âmbito, o carrocel da opinião pública não costuma contemporizar e não hesita em bestializar o mais bestial dos bestiais, reduzindo-o à plena insignificância de um falhado e assacando-lhe, uma por uma, as centenas de erros que, legitimamente, lhe poderiam ou não ser pessoalmente imputados.
São os treinadores, os jogadores, os dirigentes, os médicos, os jornalistas, os adeptos, ou até o próprio roupeiro ou o cozinheiro se se lhes conhecer o rosto ou o nome por via de uma das milhares de reportagens com que os media preenchem os espaços nobres durante as competições em questão.
No futebol como na vida, Portugal é Portugal.
E, para mal dos nossos pecados, o que nos falta em planeamento, estratégia, empenho, entrega e pragmatismo, sobra-nos em capacidade de análise, pelo que a verdade é que por entre a raiva do momento e a maledicência congénita é natural encontrar alguma razoabilidade das críticas.
A esta luz, atente-se ao que se passou com a nossa participação no Mundial de Futebol. Chegando à competição com um ilusório terceiro lugar no ranking da FIFA, e após um nível exibicional sofrível em toda a fase de qualificação, a Selecção viu reforçada a componente entediante das suas performances com uma convocatória em que rareavam as soluções de cariz ofensivo.
De seguida, lá volta o fatalismo, uma ainda inexplicável lesão (?) do seu jogador em melhor forma, cerceou ainda mais essa capacidade, com a sua substituição a atestar da falta de vontade de ocupar as metades do campo adversário com que o seleccionador partiu para esta viagem.
A paupérrima exibição contra a Costa do Marfim – em que sobressaiu, mais uma vez, a falta de atitude competitiva e de capacidade ofensiva da equipa -, os atropelos disciplinares que cedo se evidenciaram no seio do grupo e os tiques de vedetismo dos seus principais protagonistas também não auguravam nada de bom.
Como é típico, contra a Coreia do Norte (um adversário de nível manifestamente inferior) a equipa conseguiu libertar-se dessas questionáveis amarras tácticas e soltar-se para fazer aquilo que, em boa verdade, sabe, poderia e deveria ter feito em outras circunstâncias: jogar futebol.
O jogo contra o Brasil apenas foi “promissor” no sentido que demonstrou que, a espaços, a selecção poderia dar sequência à exibição anterior, mas quem não “arriscou” num jogo com essas características e condicionantes, seguramente não “arriscaria” num jogo a eliminar.
Contra uma Espanha intrinsecamente de grande qualidade mas moral e fisicamente fragilizada, os Navegadores renegaram o espírito dos seus antepassados e, com a excepção daqueles que se destacaram na competição (Eduardo, R. Carvalho, F. Coentrão, R. Meireles e Tiago) optaram por se oferecer para capacho dos nossos adversários, vergados a uma pretensa superioridade que sempre teria que ser confirmada no rectângulo de jogo.
Com excepção desses jogadores, quase todos os demais saem enxovalhados da prova, em linha com um seleccionador que nunca demonstrou estar à altura da nau e do milionário salário que aufere (um dos mais altos entre os presentes na África do Sul).
Com uma Federação que se transformou numa máquina de fazer dinheiro, com hábitos burgueses ao nível da Selecção Nacional, enquanto espreme até ao tutano os praticantes de futebol amador e os escalões de formação, Portugal foi mesmo igual a Portugal.
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